A formaçao do homem

"O que um homem pode ser, ele tem de ser" A. MASLOW



sexta-feira, 2 de março de 2012

Logos Negro

“Honra. Pátria. Amor. David Becker estava

 prestes a morrer por estes três motivos.”

(Dan BROWN, Fortaleza Digital, 2008:250)
 

Li nestes dia um livro interessante de Barbara Cannelli, intitulado Un pensiero africano. Filosofi africani del Novecento a confronto con l’Occidente 1934-1982[1], com o prefacio de M. Marazziti, é um livro que indica e faz reviver. Alude sobre o nascimento do pensamento africano, as questões sempre abertas acerca das origens, a identidade e o método da filosofia. O livro tem o limite de indagar o pensamento filosófico da África negra de língua francesa. Fica de fora a filosofia política e a etno-filosofia. Historicamente segundo a autora o nascimento do pensamento africano na área francófona que se desenvolve na 1ª Guerra mundial. Até aquela data o partido francês da exploração colonial tinha encontrado um largo apoio trasversal da direita a esquerda. No 1910 o coronel Charles Margin pública La forza nera[2], que apoia a necessidade de recrutamento colonial porque os povos colonizados tem uma atitude de obediência. A Grande Guerra teve uma larga utilização de soldados africanos sobretudo utilizados nas tropas de assaltos lançados contra o arame farpado e as metralhadoras inimigas, aptas as primeiras linhas. Os que negavam alistar-se eram reprimidos com o sangue. Temos também dizer que muitos recusaram com espírito patriótico, confiaram nas promessas recebidas de uma maior independência. No fim da guerra a divida de sangue não vem reembolsada, mas um ponto positivo resulta, que os povos indígenas conhecem a mãe-pátria e o acontecimento revela muito cedo “uma heterogénese de fins tanto surpreendente quanto pouco previsivel” (p.39).

O negro toma consciência africana e começa com um pretexto: ser reconhecido como ser humano, existe uma plena humanidade negra que deve ser reconhecida. Temos que ter presente que a tradição ocidental, também os seus expoentes mais iluminados, nega o Logos aos africanos. No ensaio Sul carattere nazionale, David Hume sustenta que “nenhuma produção do engenho é possivel entre Negros, nem artes, nem ciências”. Mesmo Kant julgará que entre os brancos e os negros a diferença de cor reflecte (fácil intuir em qual direcção) um grau diferente das faculdades mentais. Mas o verdadeiro compêndio do juízo europeu sobre o continente africano, que atira com um só tiro e irrevogavelmente à África o privilégio da História e da Razão, fica uma pedra angular do pensamento ocidental as “Lezioni sulla filosofia della storia hegelianas”. Aqui Hegel argumenta assim: “Na imensa energia do arbítrio sensível, que domina os negros, o momento moral não tem algum poder certo. (...) África não é um continente histórico, não tem algum movimento ou desenvolvimento para mostrar. Se alguma coisa, na sua parte setentrional, aconteceu, isso pertence ao mundo asiatico e europeu. (...) O Egipto será considerado em relação a trapaça do espírito humano de Oriente ao Ocidente, não pertence ao espirito africano” (p.135). E em relação ao carácter próprio da subjectividade africana ele continua “O Africano ainda não chegou a distinsão de si, como singulo, de sua universalidade essencial, falta nele totalmente a ciência de um ser absoluto, que seja outro e superior em relação ao eu (...) e quando si distingue da natureza, ele se encontra somente no primeiro estádio, é dominado pelas paixões, orgulho e pobreza: é um homem ainda em bruto.  O negro representa o homem natural em sua total barbarie e selvageria completa” (p.136).

Em relação ao primeiro acto da razão, as primeiras respostas são a etnofilosofia e a negritudine. A primeira não é um produto propriamente africano, mas tem o mérito inegável de ter aberto o debate. O franciscano belgico Placide Tempels, missionario em Congo (1933) denuncia a crueldade da colonização, estuda a cultura dos Baluba-Shankadi e nos anos 40 publica uma serie de escritos sobre a filosofia Bantu. Assim nasce a etnofilosofia, ou a reproposição filosófica do sistema de valores da tradição oral. Escreve Lidia Procesi, é “um património de sabedoria tradicional onde pode-se reconhecer e reconstruir uma estructura lógica, ontologica e metafísica implicita. Por este motivo merece o apelativo de filosofia, segundo o significado tipico de conhecimento dos objectos ultimos e primeiros do saber: Deus, o cosmo, a alma. Funda a praxis como sistema de valores e então sabedoria ética e técnica”. (p.328) Mas, além dos aspectos positivos, a etnofilosofia, permanecendo olhar externo, corre o risco de desviar a identidade africana utilizando categorias que não pertence a ela.

A segunda resposta ao acto da razão é constituída pelo novo pensamento autenticamente africano, que, paradoxalmente, nasce em França. “Uma nova consciência surge na Europa e começa um caminho de verso ao continente africano. Um nascimento mestiço, como é aquele de todas as grandes filosofias” (p.11). Em Paris, no 1934, dois jovens que vinham das colonias franceses, Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor, fundam a  revista "L’Étudiant Noir", e começa o acordar negro e abrem o caminho a chamada negritude. Fruto de uma necessidade as vezes raivosa de emancipação. O pensamento africano teve que rapidamente confrontar-se com o problema de identidade negra, para depois afastar-se favorecendo uma perspectiva mais aberta, multicultural, humanistica. Sartre, aliado sincero da causa negra, não resistiu a tentação de dar uma interpretação dialéctica desta parábola: uma identidade que se põe, em oposição a identidade branca que a nega, para depois superar a contraposição em uma síntese mais universal, autentica e pacificada (cfr. p. 17).    

O que caracteriza o pensamento de Senghor é a revindicação, contra a pretensa unicidade do Logos ocidental, de um Logos negro: “a sua razão não é de tipo discursivo; ela é de tipo sintético. Não é antagonista é simpatetica. É um outro modo de conhecimento. A razão negra não empobrece as coisas, não as modela entre esquemas rigidos, eliminando os aspectos originais, vitais, naturais; ela experimenta e contorna para colocar-se no coração vivente da realidade, do real. A razão europeia é analitica com fim de utilização, a razão negra è intuitiva com o fim de participação” (p.95). Na base deste Logos negro, a negritude apresenta-se como uma teoria unitária, uma concepção orgânica de tipo ético e metafísico, no qual Senghor distingue um caracter subjectivo e um objectivo.

O primeiro “representa o aspecto humanístico e militante, a praxis de libertacao, o projecto de rivendicazione da cultura negra”, pelo contrário “objectivamente a negritude è uma certa visão do mundo e uma certa maneira concreta de viver este mundo”. E, como dizem os alemães, «uma Weltanschauung, um Da-sein, mais precisamente um Neger-sein» ( p.111). A negritude tem sido criticada de ser uma teoria racial e efectivamente monstra tractos culturais de derivação biológica quase hipostatizada e sem tempo, a-temporal e ainda Senghor escrever: “O negro è o homem da natureza. O ambiente animal e vegetal, como se configura na Africa até hoje, o clima quente e húmido lhe conferiram uma grande sensibilidade. O negro tem os sentidos abertos a todos os contactos, até as mínimas sensações. Ele sente e experimenta antes de ver (...). É devido a sua potência emocional que ele toma conhecimento do objecto” (p. 112ss). Segundo Senghor, o Logos negro se encontra numa singular consonância com as mais recentes descobertas da fisica occidental, portanto com uma concepção da materia e da enérgia de tipo vitalístico. Com uma maior consciencia critica, a segunda geração de filósofos tomou distância das primeiras conquistas da negritude ou da etnofilosofia e, em particular, colocou luz os riscos ligados ao retorno a presunta originalidade e originariedade das raízes africanas. Tambem neste caso, de facto a tradição pode desenvolver a função que fizeram os nacionalismos ou os localismos ocidentais, oferecendo-se como uma grande variedade de motivações e instrumentos para o controle social e politico por parte das novas classes dirigentes pos-colonial.

A tradição, escreve Paulin Hountondji (um dos mais críticos da etnofilosofia), “ toma a forma de um nacionalismo cultural retrogado e continua a empobrecer a cultura nacional, a reduzir o pluralismo interno e a profundidade historica, com o fim de distrair a atenção das classes exploradas dos conflitos económicos e políticos reais que as opoem as classes dirigentes, baixo o falso pretexto de uma comum participação deles a “ cultura nacional” (p. 176). Valentin Yves Mudimbe, ao contrário reconhece na negritude o merito de ter reivindicado uma originalidade africana mas faz uma acusasaçao de ter caido nas categorias e no lexico occidentais dos quais queria tomar distancias.

Mais radical é a critica de Franz Fanon, filosófo e psiquitra. Na Pele Negra e Mascaras Brancas, o autor denuncia o perigo que uma rigida definiçao da identidade africana pode mudar-se em uma nova mascara, alem dissso construída a contra-imagem e a nao-semelhante daquela ocidental.

Contrario a toda consideração biológica: “minha pele negra não é depositária de específicos valores”, segundo ele os teoricos da negritude acabam para “celebrar de maneira mitológica a dimensão irracional da chamada cultura africana: a magia, o exotismo, o primitivismo erótico, a enfatização da copia dualidade Homem-Terra” ( p.118). Do outro lado, Fanon descreve e denuncia a alienação do eu negro e o conseguinte processo de branquificaçao, que inconscientemente o colonizado se submete para assimilar-se e mendigar um reconhecimento. “Quem é então o Negro? Para Fanon o Negro è aquele que quer ser branco” (p. 76) e “não existe uma identidade negra, fora do dado histórico por causa do qual ela è uma identidade oprimida e objecto de consideração racista” ( p.80). O filósofo chega a estas conclusões de acordo com o amigo Sartre, para o qual, analogamente, “não é o carácter hebraico a causar o anti-semitismo, mas, pelo contrário, é o anti-semitismo a criar o hebreu. O fenómeno primeiro é então o anti-semitismo, estructura social regressiva e a concepção do mundo pré-lógica” (p.80). Em toda a sua forma, também aquela colonial, o racismo leva aos mesmos trágicos resultados, entre os quais a alienação e a perca do si. Contrastando o anti-semitismo e toda forma de racismo, Fanon sai da vitimização localística negra e luta por um projecto universal de libertação do homem. A sua doutrina é descrita “no sentido marxiano essencialmente como praxis, como pratica libertária, desmistificante, que possui a capacidade e a vontade de desdobrar o dado factual da opressão” (p.116).

Cheick Anta Diop, egiptólogo, trabalhou de maneira sistemática para confutar o juízo hegeliano sobre uma África privada de história e razão. Os resultados desta pesquisa podem ser sintetizados em duas teses: a origem da espécie humana em África e da cultura no Egipto, “nenhum pensamento, nenhuma ideologia, são estranhas a África, terra do concebimento destes”. E a conclusa è que “la raison est nègre» (p. 133).

A segunda parte do livro abre-se com um capítulo dedicado a “disputa sobre os universais”. Trata-se da crítica a pretensão de conceber como “universais” valores, princípios e teorias que são somente ocidentais. Segundo Fanon o “verdadeiro valor universalmente valido” é o direito da causa mundial dos oprimidos (p. 179), ao contrário para Césaire “há dois modos de perder a si mesmo: através da segregação no particular, ou por diluição no universal” (p.183). Vários autores recorrem aos instrumentos da crítica marxiana da ideologia, na óptica de uma demitização dos sistemas de pensamento que com a sua pretensa universalidade tendem a assimilar e reduzir as diferenças. Também quando verifica-se um reconhecimento ocidental da alteridade africana, frequentemente limita-se na inserção de um mais vasto esquema evolutivo: “categoria de gradualidade ascensional, profunda herança de uma mentalidade positivista-evolucionista, se delineou por muito tempo como a única modalidade de acesso à alteridade, mas desta maneira foi suprimido” (p. 172). Mais em geral, Mudimbe chama a atenção sobre os resultados da epistemologia contemporânea, sublinhando como cada ciência – sobretudo se tem como objecto o homem – seja inseparável do contexto onde nasceu e se desenvolveu. Até o estruturalismo, mesmo pela sua pretensa neutralidade e presunta “carícia desocidentalizante”, aparece insidioso e suspeito, pois, não pode eximir-se de transmitir: “as categorias de um saber, aquele ocidental” ( p.167). O exemplo mais interessante desta disputa sobre os universais ocidentais é a critica á psicologia, a psicanálise e a imagem do homem que estas disciplinas veiculam.

Segundo Fanon, a dominação europeia na África causou a colonização dos territórios e dos homens, mas também da psique, causando uma caricatura do tipo humano africano que é a projecção dos tractos desviantes e criminais dos pré-juízos raciais.

Por exemplo: “o complexo de Édipo resulta ausente na evolução pessoal do homem africano” (p.197). A psicologia, segundo Mudimbe, é somente um dos campos onde se concretiza uma aproximação etnológica fictícia sobre um objecto ao qual o subjecto permanece irremediavelmente estranho. “Os Ocidentais, como os adultos em frente aos meninos, como os psiquiatras em frente aos pacientes, impuseram aos não-ocidentais, segundo um modelo específico, maneiras aberrantes de ser não-ocidentais; eles depois deram o nome de etno-X ao estudo dos produtos deste X artificialmente criado” (p. 207). A aproximação etnológica é “o pressuposto teórico segundo ele não emendáveil, isto è o principio pelo qual, também fora das hierarquias valorativas da imputação evolucionista, permanece o direito – para o pensamento de uma sociedade e de uma cultura – de produzir um discurso que liberta a verdade de uma outra sociedade e de uma outra cultura” ( p.205).

O último Capitulo é dedicado a alguns “caminhos do devir si-mesmos”. Fanon, por exemplo, toma em consideração a batalha pelo véu combatida a partir dos anos 30 na Algéria: “ Esta mulher, que ve sem ser vista, frustra o colonizador. Não há reciprocidade. Ela não se entrega, não se doa, não se oferece (...) Tem testa ao ocupante sobre este elemento preciso é infligir-lhe um revés espectacular, é conservar a coexistência as suas dimensões do conflito e de guerra latente” (p.219ss). As palavras do filósofo revelam dum lado os tractos do desejo do domínio masculino e colonial, mas do outro, em contraluz, aqueles da inferiorização, da marginalização, do não-reconhecimento o do desinteresse.

Ao olhar do colonizador ele contrapõe aquilo do algerino, o qual, “em relação a mulher algerina, tem una atitude clara. Não a vê” (ibidem). De outro temor é a luta que carregaram sustentada pelos intelectuais africanos para libertar (das próprias contradições) aquelas mesmas ideologias ocidentais que lutam pela independência e a emancipação dos povos colonizados. Césaire por exemplo afirma que precisa impor uma revolução copernicana, tão radicada na Europa “o hábito a fazer para nos, a decidir para nós, o hábito de pensar para nós, em breve o hábito a contestar o nosso direito a iniciativa, que é em definitivo o direito a personalidade” (p.227).  O colonizador que Césaire interpreta como uma mistura de miserabilismo e paternalismo, o “irmanilismo” tipo da “gauche”, é objecto ao mesmo tempo de simpatia e de condescendência: “é um irmão, mas um irmão mais pequeno, que precisa de tutela e deve ser guiado” (p.226). “O que quero – diz Césaire – é que o marxismo ou o comunismo sejam ao serviço dos povos negros, e não os povos negros ao serviço do marxismo e do comunismo: Que a doctrina e o movimento sejam feitos pelos homens e não os homens pela doutrina e pelo movimento” (p.228).

Segundo Eboussi-Boulaga ao contrário a pesquisa do si africano (Ser si mesmo, do si) é gravada de uma origem conotada de violência, rapto, maus-tratas, escravidão, deportação, colonialismo. Tudo isso constitui uma primeira negação, que nem produz uma segunda não menos grave. A violência produziu um sistema institucionalizado de abuso de uma ordem social e mental baseada sobre a humilhação e o escravisaçao. O grave é que a negação a ser sujeito no sentido de ente autónomo não é somente externa, mas é constantemente inflicta no profundo, interiorizada, em maneira que o mesmo sujeito acredita nisso, como fosse na ordem natural das coisas ( cfr. p.232). Com estas bases a origem do pensamento africano não pode ser a maravilha, mas a condição de escravisação. Pondo em discussão o paradigma platónico – aristotélico do nascimento da filosofia como espanto do que é bonito, bom, verdadeiro, Eboussi-Boulaga sintonizado com alguma tendências da filosofia contemporânea que, com Schopenhauer procuram encontrar na experiencia do negativo e do mal o espanto inicial do pensamento. O filósofo africano, gravado pelo seu sentido de inferioridade cultural, será fatalmente levado a procurar um resgate na óptica do Aussi, para dizer reivindicar que “também” o homem negro tem direito de palavra. O intelectual negro não luta somente para ser reconhecido na cultura ocidental, mas indicando uma dupla negação cultural, encontrasse perdido mesmo no meio do seu povo por ter assumido e assimilado categorias do pensamento europeu.

O último capítulo se conclui com uma reflexão sobre as “dinâmicas do reconhecimento” que toma como base a dialéctica servo-patrão da Fenomenologia de Espirito de Hegel.

O livro se propõe como uma útil introdução histórica sobre algumas questões fundamentais da filosofia africana. Do novo pensamento aparece sobretudo a pesquisa de identidade específica na problemática relação com a ”pensante” filosofia ocidental. Algumas vezes parece que o direito a africanidade mostra de partilhar os limites de outras revindicações de uma diversidade filosófica. As quais, não propõem uma positiva originalidade do pensamento, mas acentuam a própria dimensão opositiva a uma imagem, as vezes caricatural, do logos ocidental. Isso esta na natureza da filosofia. Autocrítica e contradição fazem parte do seu ser e do seu por-se em discussão. (CONTINUA)

Barbara CANNELLI, Un pensiero africano. Filosofi africani del Novecento a confronto con l’Occidente, 1934-1982, prefazione di M. Marazziti, Leonardo International, Milano 2008



[1] Traduzido em português fica:  O pensamento african: Filosofia africana dos anos Novecentos e o confronto com o Ocidente 1934-1982
[2] Traduzido em português: A Força Negra
[3]

1 comentário:

Augusto Chicava disse...

isto é que é: buscar o afrocentrismo, pois há necessidade resgatar as nossas origem que durante vários séculos foram ignorados por nós africanos, nomeadamente os da diáspora