A formaçao do homem

"O que um homem pode ser, ele tem de ser" A. MASLOW



segunda-feira, 25 de julho de 2011

Deus-breves traços para uma antropologia filosofica

Solilóquios I
Salvar Deus?


De qual Deus és ateu? A pergunta não é impertinente. Por minha parte, eu não acredito em Deus algum, mas sei bem ao Deus em que acreditei durante a minha infância e a minha adolescência, um Deus presente, ainda hoje, deste Deus eu me importo, e ao qual, precisamente, não acredito mais. Não é o Deus dos filósofos, ou nem tanto. Não o Motor Primo de Aristóteles, tanto chato quanto imóvel. Não o Deus de Descartes, o qual não explica tudo  somente porque é incompressível. Não é o Deus de Espinosa, que não é um Deus. Ainda menos o Deus de Leibniz, com os seus cálculos infinitos e sórdidos. E nem aquilo dos padres, das homilias, dos teólogos. Nem aquilo dos hipócritas o dos preconceituosos. Não! O Deus  que me interessa, que me toca dentro e em que eu não acredito é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. É o Deus de Pascal (aquilo do Memorial, não da aposta) É o Deus de Jesus Cristo. Um Deus de amor, então, e não o amor como Deus. Alguém, não alguma coisa. Uma pessoa, ou três, não um princípio, um valor ou uma abstracção.
           
Acreditar no amor? Existe algo de mais vão, já que a sua existência não é objecto de dúvida? O Homem-Deus? Que Deus mísero nem consegue! O que é mais este Deus mortal, tanto mais capaz do pior que do melhor (a santidade é a exepção, o egoísmo a regra)? O que é mais este Deus que nem sabe se é Deus (já que não pode se-lo se não a condição que Deus, o verdadeiro Deus, não exista, coisa que ninguém sabe)? Acreditar no homem? Inútil. Adora-lo? Impossível. É melhor entende-lo, quanto é possível, respeitar aqueles que o encontram, mas desconfiar quando não se conhece (é o que ensinamos aos nossos filhos, e temos razão de faze-lo), perdoa-los sempre, ajuda-los as vezes, ama-los quando podemos...É o espírito dos evangelhos. É o espírito de Montaigne e de Espinosa. É, para mim, o espírito verdadeiro. Humanismo da vigilância. (“Caute”, dizia Espinosa: “Desconfia”) e da misericórdia (“Seja sábio quanto quiseres”, escrevia Montaigne, “mas fica sempre um homem: o que ha de mais caduco, de mais miserável e de mais insignificante?) (Essais, II, 2). O humanismo não é a nossa religião: é a nossa moral. O homem não é o nosso Deus: é o nosso próximo.
Em breve, não procuremos substitutos de Deus: não sacrifiquemos aos ídolos, ainda se fossem humanos ou humanistas.

“Deus é grande”, me dizia um amigo, “é uma tautologia. “ Deus é amor”, este sim que é interessante!” Estou de acordo, e é o único Deus, na verdade, que me interessa.
Não é um motivo para acreditar em ele. Ao contrario, é um motivo para recusa-lo. Uma crença que corresponde  “in toto”  aos nossos desejos mais fortes, existem aqui todos os motivos para pensar que tenha sido inventada por isso. É aquilo que S. Freud chama de ilusão, em outras palavras “uma crença derivada dos desejos humanos”; e se tudo isso não demonstra a inexistência de Deus (uma ilusão, observava Freud, não necessariamente é um erro!), isto faz da existência de Deus tanto mais duvidosa quanto mais ela é desejável. Ter ilusões significa considerar os desejos como realidade. Já que nada, por definição, é mais desejável de Deus, nenhuma crença é mais suspeita de ilusão que a fé na sua existência. Mas se dirá que a fé é mais de uma crença. Eu deixo subtilezas similares aos teólogos, e estou feliz de levar a serio o credo: ele melhor resume o que eu não acho.

Há também muito mal em todos os lugares e mediocridade de mais no homem porque a ideia de um Deus criador, omnipotente e ao mesmo tempo infinitamente bom, me apareça simplesmente credível.  Mais me conheço, menos posso acreditar em Deus. E mais  conheco os outros, ainda menos tudo isto combina.
Alem disso, deste Deus, também na minha juventude fervente, eu nunca tive a menor experiência. Porque deveria acredita nele agora? É um “ Deus escondido” (Deus absconditus) ? Bom para ele. Eu, alias, já não tenho idade para brincar ao jogo de esconde-esconde.

Quanto a minha maneira de ser ateu, posso caracteriza-la em uma frase: sou ateu não dogmático e fiel.
Ateu, certo, é o dado mais simples, já que não acredito em Deus.
Porque ateu não dogmático? Porque evidentemente reconheço que o meu ateísmo não é um saber – já que não é possível nenhum saber sobre Deus o sobre a sua inexistência. Tudo depende então da pergunta que me vem feita. Se alguém me pergunta: “ Você acredita em Deus?” a resposta é muito simples: é não. Em troca se me se pergunta: “ Deus existe?”, a  resposta é necessariamente um bocado mais complicada: porque, por honestidade intelectual, eu tenho que começar a dizer que não sei nada sobre o assunto. Não é um problema de incompetência por minha parte: o facto é que a pergunta supera qualquer saber possível ( sobre isto ver Montaigne, Pascal, Hume, Kant). Eu acho que se tu encontras alguém que diz: “ Eu sei que Deus não existe”, não se trata em primeiro lugar de um ateu, mas de um imbecil. E o mesmo acontece se por acaso encontras alguém que diz: “ Eu sei que Deus existe”. Se trata de um imbecil que tem fé ( coisa que eu não censuro de maneira alguma) e que tolamente, toma a própria fé por um saber – no qual caso constitui um dúplice erro: teológico ( a fé é uma graça, coisa que o saber não pode ser) e no mesmo tempo filosófico ( porque confunde dois conceitos diferente: a crença e o saber).
A vezes me dizem que eu sou mais agnóstico que ateu. Isto significa fraintender o agnosticismo. O agnóstico não é aquele que reconhece de não saber se Deus existe ou não ( seja os crentes e seja os ateus o reconhecem, se são lúcidos), é aquele que decide de seguir esta confissão de ignorância, que recusa de decidir, que deixa a questão aberta, é um “ sem opinião”. Esta na verdade não é minha posição. Eu não sei se Deus existe ou não. Mas acho que não exista. Um ateu não dogmático não é menos ateu que um outro. E’ simplesmente mais lúcido.

Porque então, ateu fiel? Porque, embora ateu, e agora com cinquenta anos, eu fico ligado, com todas as fibras do meu ser, a um certo numero de valores que foram forgiados e transmitidos, pelo menos em parte, nas grandes tradições religiosas, e em modo particular, já que esta é a minha historia, na tradição judaico-crista. Que Deus exista ou não exista, o que muda isto a grandeza do Ecclesiastes? O que tira tudo isto ao peso moral da mensagem evangélica? Eu sei bem que, por Jesus, é a fé, não o amor, que salva ( é um ponto, dito entre parênteses, que os nossos cristão humanistas as vezes esquecem). É por isso que eu não sou nem cristão nem cristico. Mas a fé abrange o campo da religião não da moral.
Que Jesus acreditou em Deus, é mais que verosímil. Isto não me obriga a acreditar eu também, nem a renegar o resto da sua mensagem. Era um judeu pio: o que não me obriga o seu judaísmo mais que a sua piedade, e não me impede em matéria de ética – e como fazia Espinosa – de reconhecer a beleza, a nobreza, a profundidade, o fascínio da sua mensagem.
É a verdade, não a fé que salva: é o amor, não a esperança que faz viver. Em isso eu acredito, é isso o que me faz ateu, e quanto vou dizendo eu, em parte, encontro nos evangelhos, na maneira minha de le-los, é quanto eu chamo com Espinosa “ o espírito de Cristo” (A. Matheron, 1971), que por muitos anos nutriu a minha infância, a minha adolescência e que continua, de vez em quanto, a me iluminar e fascinar. Não é que eu passe o meu tempo a reler os evangelhos: fazendo-o logo me apanha o tédio (como todos os testos escritos por e para prosélitos são chatos): mas tessi, ao longo dos anos, uma sorta de Cristo interior, que teria perdido a fé (“ Deus meus, Deus meus, porque me abandonaste?”) e que por isso seria somente mais livre, mais lúcido, mais amorável. Um buddha? Se se acha melhor. Mas que colocaria o amor mais em alto que a sabedoria, e isto é o que significa para o ateu como sou eu, a loucura da cruz. Vale muito mais um amor doloroso que uma serenidade que fosse sem amor.

O que é o absoluto? O que não depende de relação alguma, de alguma condição, de algum ponto de vista. É portanto o relativo mesmo, na sua totalidade. O conjunto de todas as relações é sem relação com o nada, porque é o tudo; o conjunto de todas as condições é necessariamente incondicionado; o conjunto de todos os pontos de vista não é um ponto de vista.
O que é o infinito? O que nada pode limitar: o conjunto das coisas finitas é então infinito o, pelo menos, indefinido. Todos os seus limites estão no seu  interior. Como poderiam limita-lo?

O que é a eternidade? Um presente que resta presente: é então  o presente mesmo, que muda e continua, que nos deixaremos, mas que não nos deixará nunca. O “ perpetuo hoje de Deus”, como dizia santo Agostinho, é também, e melhor, o perpetuo hoje da natureza ( o sempre-presente do real) e do pensamento ( o sempre-presente do verdadeiro). E o passado? Não é, porque não é mais. E o amanhã? Não é, porque ainda não é. Existe então somente o presente, e o mesmo não para de mudar ( não confundimos o eterno com o imutável) e de continuar. Como poderia cessar  o presente, já que não há mais outra coisa. Somos já no Reino: a eternidade é agora.

“ Nos sentimos e experimentamos”, escreve Espinosa, “ que somos eternos”. Não no sentido que o seremos, depois da nossa morte, coisa na qual Espinosa não acredita absolutamente, como eu também, mas no sentido que o somos, aqui e agora. E me aconteceu, na verdade, mais o menos de o experimentar. Sim, me aconteceu – raramente, excepcionalmente, mas em maneira assim forte que toda a minha vida resultou despedaçada – de viver momentos libertados da falta ( é o que chamo de plenitude), da linguagem ( é o que eu chamo de silencio), do passado e do futuro  ( é o que eu chamo de eternidade), da esperança e do temor ( é o que eu chamo de serenidade), da separação entre  eu e o tudo (é o que eu chamo de unidade), entre mi e mi mesmo (é o que eu chamo de simplicidade), enfim de momentos liberados de mi mesmo, e é o que eu chamo de absoluto. Ser ateu não significa renunciar a qualquer tipo de vida espiritual. Ao contrario significa dar  a si mesmo instrumentos, pelo menos teóricos, de uma diferente espiritualidade: de uma espiritualidade naturalística em vez  de humanística, quietista em vez de jansenista ( Pascal é um génio imenso, mas não um mestre espiritual), de imanência em vez de transcendência, de fusão em vez de encontro, de verdade em vez de sentido, de silencio em vez de palavra, de sabedoria em vez de santidade, de meditação em vez de oração, em fim de enstasi, como dizem os tratados de mística comparada, no lugar de êxtase. “ Até  que tu  colocas  uma diferença entre o absoluto e o relativo, tu estas no relativo. Até que  colocas uma diferença entre a eternidade e o tempo, tu estas no tempo. Até que tu colocas uma diferença entre a salvação e a perdição, tu és perdido”. Ou ainda – e como diria com prazer ao meu amigo Jesus, talvez estaria de acordo: “ Até que tu colocas uma diferença entre o Reino e o mundo tu estas…no mundo”. ( M.Onfray,2005). E onde mais poderíamos estar, dado que este mundo  é tudo o que temos. É somente em este sentido, a meu parecer, que nos já estamos no Reino, não graças  a esperança, não pela  fé, não porque o amor seria forte como a morte, como diz tolamente o Cantico dos Canticos, mas porque a morte, até que nos somos vivos, não pode nos impedir de amar nem, até que nos  amamos, de viver.  
Não é o homem que é Deus, nem Deus que se faz homem; são alguns homens que inventaram a ideia de Deus, quando não era por superstição, por expressar em eles ( ver  Etty Hillesum, ver Simone Weil) o que havia de mais grandes em eles: a verdade, a justiça e o amor. Deus seria a unidade omnipotente dos três. Mas também quando os três existem somente separados, como eu acredito ( a verdade não é suficiente para a  justiça, nem a justiça para o amor), e debilmente (é o que significa mais o menos  o ateísmo), é talvez um motivo para parar de ama-los, e de procura-los? O importante não é  acreditar ou não acreditar em Deus. O importante é não trair este poder que temos em nos mesmos de pensar, de julgar e de amar: o importante é o espírito, que é totalmente de graça e de misericórdia.

O facto que este espírito não exista se não em corpos viventes, a atreves deles e graças a eles, que não se desenvolva se não no seio de uma sociedade, uma historia, uma cultura, e graças a eles, eu estou convencido ( é por isso que sou materialista). E por causa de todo isto, que ele  é  mais  frágil e precioso. Se Deus existe, o espírito, por definição é imortal. O essencial é adquirido: é em isso a religião, quase sempre é o contrario do trágico. Se Deus não existe, é o inverso: cada espírito é frágil, provisório, mortal, como são também os nossos filhos, e nos sabemos por experiência, que esta não é uma razão suficiente para ama-los menos, pelo contrario, nem para protege-los menos, nem para educa-los menos. É o trágico mesmo: dar mais valor possível a aquilo que é destinado a perecer. ( M. Conche, 1990) O espírito de Cristo, para o ateu qual  é  sou, é o espírito do filho (“ Não vim para abolir, mas para levar ao compimento”: é o que eu chamo de fidelidade), e é o mesmo espírito do pai ou da mãe ( filho meu: meu amor). Que Deus seja Pai e Filho, e que este filho tive uma família, aqui esta o verdadeiro segredo do cristianismo. Antropomorfismo? Claro. Mas qualquer religião sem antropomorfismo seria inumana, e por consequência  impossível.

Que Maria seja virgem, é um pormenor ridículo, quase  grotesco, podemos dizer um mito ou uma superstição a mais. Mas que Jesus tive uma mãe, não. O Stabat mater de Pergolesi ou a Piedade de Michelangelo nos dizem muito mais, deste ponto de vista, de todo aquele numero de aparições, ou assim pensadas, que o Vaticano ostina-se a celebrar. A ultima das mães reais vale muito mais, se é amorosa ( e o são quase todas), de tudo o culto mariano.
Depois há a Cruz, e aquilo que ela simboliza. Não a glorificação do sofrimento, como pretendem alguns, mas a vitima inocente e obrigada ao suplicio: o amor ultrajado, umiliado, martirizado, “ sempre vencido”, como dizia alguém, “ que renasce ao terceiro dia” É mesmo assim. Não é a vitoria que nos amamos, mas  o amor e a vida. “ Como faz você”, escreve  Espinosa a um dos seus colaboradores, “ eu tomo a paixão de Cristo, a sua morte  e a sua sepultura a letra:, mas ao contrario de você, a sua ressurreição eu a tomo no sentido alegórico” ( B. Espinosa, Lettre 78).  Para significar o que? Não que Jesus não morreu, mas que a morte não pode anular aquilo que ele viveu, nem aquilo que nos vivemos.
O Presépio, o Calvário: duas ícones da fraqueza extrema. É o contrario do Deus omnipotente, e é por isso que, no meu ponto de vista, Jesus não é Deus. E então? Não é a potencia que nos amamos, nem Deus, mas o amor, a justiça e a verdade. Pelo menos, é o que eu procuro ser  fiel, na medida do possível, segundo as minhas possibilidades, e muitas vezes dolorosamente. A cada um a sua cruz, entre os dois ladroes. “ Deus meus, Deus meus, porque me abandonastes?”.  Porque não existe: não por culpa sua, evidentemente, nem por culpa nossa.
O importante não é que o espírito seja imortal ou não o seja ( não temos que confundir eternidade com perpetuidade). O importante é que permaneça vivo até que nos viveremos, até que viverão os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos. Somente isto depende de nos e exige todo o nosso esforço.
“ Os muitos leitores de Lucrécio”, observava alguem, “ sabem o que significa salvar o espírito negando o espírito”. Significa salva-lo em quanto acto, e nega-lo em quanto substancia. Significa salvar o espírito vivente, negando a sua imortalidade. Mas o que conta é o espírito, não a negação.


Novembro 2010
Pietro Andriotto

Maquiavel um homem actual

Introdução
O presente trabalho é um breve estudo do pensamento político de Maquiavel. Todos os comentários que aqui fazemos se fundamentam em duas obras fundamentais Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio (1531) e O Príncipe. Obras que apesar de serem claras, concisas e logicamente concatenado, nem sempre prima pelo fulgor literário, e, por vezes, mostra-se demasiado redundante. Como análise critica, impus-me, a fidelidade total à expressão e ao conteúdo do pensamento do autor, espero não ferir a lógica interna da coerência do filósofo e espero também, que este esforço seja bem aceite, embora seja eu o primeiro a me sentir insatisfeito.

Para a realização deste trabalho, o método analise histórico crítico com base bibliográfica, fui ao encontro do pensamento do autor através de obras originais e alguns comentários dos manuais para fundamentar a ideia da origem, legitimação, justificação e os fundamentos do poder, deixei de lado tudo o que ouvi ou me disseram sobre os escritos de Maquiavel e outros escritos. Fui ouvindo ele mesmo de lição em lição, na medida do possível fiz umas breves comparações com expoentes da filosofia política.

Para alcançar os objectivos preconizados vamos seguir o seguinte percurso: em primeira instância temos a presente introdução, de seguida, temos um profundo retrato bibliográfico de Nicolau Maquiavel sua Vida e Obras, de seguida a revolução política de Maquiavel o centro da nossa pesquisa, em diante a ideia de soberania em Maquiavel, o impacto do pensamento de Maquiavel e a teoria política de Maquiavel, em ultima instância uma breve conclusão e as respectivas referencias bibliográficas.





1.      Nicolau Maquiavel: Vida e Obras
Maquiavel nasceu a 3 de Maio de 1465. É contemporâneo de Erasmo (1469-1536), de Miguel Angelo (1475-1564), de Leonardo Da Vinci (1452-1519). Para Georges Mounin,[1]Maquiavel nunca os refere pois, não é propriamente, como eles um homem do renascimento.
É também contemporâneo, de Tomas More (14781537) de Lutero (1483-1546), de Rebelais (1494-1533), que não são de modo nenhum renascentistas à sua maneira.
Para o Mounin que nos oferece uma bibliografia riquíssima de Maquiavel, nem Calvino (com 15 anos de idade quando Maquiavel morre), nem Montaigne (nascido em 1533), nem o escritor político Jean Bodin (1530-1596), nem o Chanceler Bacon (1561-1626) devem ser comparados ao funcionário florentino.[2]
Estes nomes e datas, permitem situar Maquiavel no seu exacto lugar na história e sobretudo, de não o fazer inconscientemente, mais moderno do que ele é na realidade.
Nascido no tempo do Carlos o Temerário e de Luís, tem 14 anos quando este morre. Quase contemporâneo de Commynes (1447-1511) que pensa e diz o mesmo que ele, com esse dado queremos dizer que não foi o único.
Por sua formação, Maquiavel é um homem exterior ao renascimento[3] propriamente dito, que se acentua nas artes e nas letras. É absolutamente anterior a reforma e é um pouco contemporâneo das guerras italianas.
Quando Cristóvão Colombo (1451?-1506) descobre as Américas Maquiavel tem 23. Morre aos 58 anos (1527), algumas semanas após a tomada de Roma pelo Condestável de Boubon, à ordem de Carlos V, facto que assinala o fim do período italiano de combatentes das guerras italianas.
Pertence a uma das antigas famílias, bem conhecidas das crónicas florentinas a partir de 1120, da pequena nobreza empobrecida que se misturou com a burguesia.
Diz-se que, saber quais foram aos estudos do jovem Nicolau é ainda hoje um problema importante para avaliar as verdadeiras fontes do seu pensamento político, mas pouco sabemos desses estudos. O seu pai Bernardo, era um advogado e foi ele que instruiu Maquiavel, pois, não estudou em nenhuma escola.[4]
Os seus contemporâneos não o colocam entre os eruditos da sua época, pois era mais um homem não privado de instrução do que um letrado. Diz-se ainda que era um autodidacta e graças a isso, protegido de certas maleitas do humanismo do seu tempo, do empolamento clássico e pomposo, do estendal de uma erudição mal assimilada.   
Na perspectiva de Mounin, Maquiavel é colocado entre os modernos, no sentido que a palavra revestia no Séc. XVII, apesar do seu culto por uma certa antiguidade: seria um dos raros contemporâneos a sugerir a superação com a antiguidade. A sua vida de homem, interessado pela política, começa depois de 1494. Mas foi a partir de 1498 que foi designado secretario da 2ª chancelaria, ofício que durou 14 anos e era chamado de secretário de Florença, uma espécie de primeiro ministro da república, responsável pelos Assuntos Exteriores e da Guerra. Na Secretaria, Maquiavel realizou importantes missões diplomáticas perante o rei francês (1504, 1510-1511), a Santa Sé (1506) e o imperador (1507-1508). No transcurso de suas missões diplomáticas conheceu muitos governantes e teve oportunidade de estudar suas tácticas políticas.[5] Era braço direito Sodérini, que era o primeiro-ministro da república. Era um homem do seu tempo, mesmo se na maior parte da vezes, se conservasse na sombra.
Na história política de Florença, apesar dos catorze anos de secretariado, Maquiavel pesa pouco e, na Itália não pesa nada. Há autores que fazem de Maquiavel um falhado, pois ao fazerem as contas de todas os seus fracassos, a sua milícia, a queda de Sodérini que é também, é sua incapacidade para convencer os Medici de se juntar a eles. Esta acusação de falhado, é frequentemente invocada, não para diminuir Maquiavel, mas para melhor exaltá-lo, perante esta vida pretensamente fracassada. A soberana realização da obra de unificação da Itália.
Após a perda do cargo de secretário em 1513 é preso por três semanas, acusado de conspiração, depois de liberto retira-se para San Casciano, aqui vagueia caça, joga com os artesão, vigia a corte, os seus bosques, cuida do seu vinho e a noite escreve para impedir que o cérebro ganhe bolor. É nesse mesmo período que começa a escrever os Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio, e imediatamente o larga, no verão de 1513, começa a escrever O Príncipe, para poder dedicar a Juliano de Medici, é por isso a quem encare O Príncipe como uma petição para obter um cargo ou lugar na governação dos Medicis. Seria Maquiavel um ‘lambe-bota’ da família Medici?
Poderíamos registar o percurso completo deste homem, nem o espaço permite, muito menos a bibliografia é uniforme em alguns aspectos, por isso cabe-nos encerrar esta primeira parte com a forma trágica com que a sua vida teve fim. Alguns dias mais tarde, no ano de 1527, a 2 de Julho Maquiavel é tomado de violentas dores intestinais e morre a 22 de Julho em Santa Croce. E cem ano mais tarde ninguém sabe ao certo o seu tumulo. O que agora vemos datado de séc. XVIII é apenas um cenotáfio.[6]

2.      Outras obras importantes de Maquiavel                            
Os pensamentos de Maquiavel sobre os princípios históricos inerentes ao governo romano podem encontrar-se em: Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio (1531), um comentário sobre a obra Ab urbe condita libri, também conhecida como Décadas, do historiador romano Tito Lívio. Neste estudo, Maquiavel parte dos conceitos teocráticos medievais da história, atribuindo feitos históricos às necessidades da natureza humana e aos caprichos da fortuna. Entre outras obras, destaca-se: Sobre a arte da guerra (1521), na qual descreve as vantagens das tropas recrutadas em relação às mercenárias. As Histórias florentinas (1525) interpretam as crónicas da cidade, em termos de causalidade histórica. Maquiavel foi também o autor da biografia Vida de Castruccio Castracani (1520), de uma série de poemas e de várias obras de teatro, dentre as quais se destaca Mandrágora (1524), uma sátira mordente e obscena sobre a corrupção da sociedade italiana de seu tempo.[7]

3.      Contextualização histórica filosófica do pensamento de Maquiavel
As obras políticas medievais e renascentistas operam num mundo cristão. O que significa que a relação entre a religião e a política é um dado que não se pode separar ou escapar. E as teorias medievais são ou directamente teocráticas ou indirectamente teocráticas.[8] Enquanto as teorias renascentistas procuram evitar a ideia de que o poder seria uma graça ou um favor divino e que determinado directamente pela lei divina. Assim os elementos da teologia continuam presentes nas formulações teóricas das políticas.
Por isso, vamos elencar algumas diferenças, pois acreditamos que se deixarmos de lado essa diferença entre medievais e renascentistas, não podemos perceber certos traços que lhe são comum, provenientes dos elementos da teologia cristã:
a)      Fundamentos da política: para alguns, o fundamento da política encontram-se em Deus (seja na vontade divina, que doa o poder a alguns homens). Para outros encontra-se na natureza, isto é, na ordem natural, criada por Deus em conformidade com o direito natural objectivo, segundo o qual o homem é um ser naturalmente político, e para alguns encontra-se na razão, isto é, de que existe uma racionalidade que governa o mundo e os homens, torna-os racionais e os faz instituir a vida política. Há pois algo,- Deus, Natureza ou Razão anterior e exterior `a politica servindo de fundamento dela.

b)     A finalidade da política: afirmam que a política é uma instituição de uma comunidade una e indivisa, cuja finalidade é realizar o bem comum ou justiça. A boa política é feita pela boa comunidade harmoniosa, perfeita e ordeira. Lutas, conflitos e divisões são vistas como perigos, fruto de homens perverso e sediciosos que devem a qualquer preço, ser afastados da comunidade e do poder.


c)       Característica do político ou governo: assentam a boa comunidade e a boa política na figura do Bom Governo, isto é, no príncipe virtuoso e racional, portador da justiça, da harmonia e da indivisão da comunidade.

d)     Formas de governo: classificam-se os regimes políticos em justos-legítimos e injustos-ilegítimos, colocando na monarquia e na aristocracia hereditária entre os primeiros e identificando o segundo como o poder obtido por conquista e usurpação, denominando-se tiranos. Este último, considerado anti-natural, irracional, contraria a vontade de Deus e a justiça, obra do governante vicioso e perverso.
Para Chaui “considerando ou comparado a esses traços da tradição política, a obra de Maquiavel é considerada demolidora e revolucionária. Com ela nasce o pensamento político moderno”,[9] esse facto haveremos de demonstrar no tópico seguinte, apontando o realismo político deste pensador. Falamos de realismo porque até aqui demonstramos o que deve ser a política, passaremos a reflectir aquilo que é e acontece neste terreno do poder.

4.      A revolução política de Maquiavel
Marilena Chaui, afirma que diferentemente dos teólogos, que partiram da Bíblia e do Direito romano para formular teorias políticas e, diferentemente dos contemporâneos renascentistas, que partiam das obras dos diferentes filósofos greco-romanos para construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real do seu tempo.[10]
Viu as lutas europeias de centralização monárquica (França, Inglaterra, Espanha e Portugal), o ressurgimento da vida urbana europeia e com, ela, a ascensão da burguesia comercial dos reinos, ducados, repúblicas e igreja. A compreensão dessa experiência histórica e a interpretação do sentido delas o conduziram `a ideia de que as ideias políticas antigas e medievais não eram capazes de compreender verdadeiramente o que é o poder e que uma nova concepção da sociedade e a da política tornou-se necessária, sobretudo para a Itália e particularmente para Florença. E nesse espírito que, O Príncipe nasce, para inaugurar filosofia política moderna.
Essa obra funda o pensamento político moderno porque oferece respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam compreender lendo os autores antigos, deixando de lado a observação directa dos acontecimentos.[11]
Segundo Claud Lofrt apud Marilena Chaui, Maquiavel revolucionou e rompeu com a tradição política nos seguintes aspectos:
a. Fundamentos da política: Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior `a política (Deus, Natureza ou Razão). Toda cidade – diz Maquiavel em O príncipe - esta divida por dois desejos opostos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem ser comandado. Essa divisão evidencia que a cidade não é uma comunidade homogénea nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na realidade a cidade  é tecida por lutas internas que obrigam a instituir um pólo superior que possa unificá-la e dar-lhe identidade. Esse pólo é o poder político. Assim a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesmo unidade e identidade. A política resulta da acção social a partir das divisões sociais.
b. A finalidade da política: Maquiavel não cita a ideia da boa comunidade política, constituída para o bem comum e a justiça. Para ele, o ponto de partida da política é a divisão social entre os Grandes e o Povo. Explica Chaui: a sociedade é originariamente dividida e jamais pode ser vista como uma comunidade não indivisa, homogénea, voltada para o bem comum. Essa imagem da unidade e da indivisão, diz Maquiavel é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se o interesse dos grandes e dos populares fossem os mesmo e todos fossem mesmos e iguais numa bela comunidade.
A finalidade da política não é, como diziam os pensadores gregos, romanos e cristãos: a justiça e o bem comum, mas como sempre souberam os políticos, a tomada e manutenção do poder. O Verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar o poder e que para isso, jamais se alia aos grandes, pois estes são seus rivais e querem o poder para si, mas deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao desejo de opressão a mando dos grandes. A política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força transformada em lógica do poder e da lei.
c. Características do político ou governo: Maquiavel recusa figura do bom governo encarnado no príncipe virtuoso, portado das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas. A virtude do príncipe deve ser a virtú politica que são a de tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, astúcia e a força. Enquanto que, a tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos governados. Maquiavel contraria essa visão, o príncipe não pode ser odiado. Isso significa em primeira instância, que o deve ser respeitado e temido, o que só é possível se for odiado. Em segunda instância, que não precisa ser amado, pois isso o faria de pai para a sociedade e, um pai só conhece um tipo de poder, o despótico. A virtude política do príncipe opera na qualidade das instituições que souberem criar, manter e na capacidade que tiverem para enfrentar as ocasiões adversas.
A respeito da virtude, os autores como Giovanni Reale e Dario Antiseri, obrigam Maquiavel a entender a virtude na perspectiva cristã coisa que ele não fez, dizem eles que “Maquivel entendeu a virtude no sentido originário Virtú, areté, entendido pelos gregos como força, vontade, habilidade, astúcia, capacidade de dominar as situações”.[12]
d. Formas de governo: continuando na senda de Chaui, Maquiavel não aceita a divisão clássica dos 3 regimes políticos (monarquia, aristocracia e democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tiranias, oligarquia e demagogia/anarquia), como também não aceita que o regime legítimo seja o hereditário e os ilegítimos, o usurpado por conquista. Qualquer regime político tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver pode ser legítimo ou ilegítimo. O critério de avaliação, ou valor que mede a legitimidade e a ilegalidade é a liberdade.
A não subordinação da política as regras da ética: a tradição grega tornara a ética da política inseparáveis, que a tradição romana colocara essa identidade da ética e da política na pessoa virtuosa do governante e que a tradição cristã transformara a pessoa política num corpo místico sacralizado que encarnava a vontade de Deus e a comunidade humana. Assim a hereditariedade, personalidade e virtude formavam o centro da política, orientada pela ideia de justiça e bem comum. Esse conjunto de ideias e princípios é demolido por Maquiavel. E o seu príncipe virtuoso revela essa demolição. Maquiavel aponta ‘a política pela política’.[13]
Repisando a noção da virtude do príncipe (indicaremos as principais virtude nos tópicos seguintes) que varia de acordo com os autores, para Chaui, “a virtú é a capacidade do príncipe para se adaptar as circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna. Em outras palavras, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá virtú nenhuma, o ethos ou o carácter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja o senhor delas”.[14]
A lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser moral na vida privada pode ser fraqueza na vida publica e vice –versa.
O que poderia ser imortal do ponto de vista da ética privada, pode ser virtú politica. Em outras palavras, Maquiavel inaugura a ideia de valores políticos medido pela eficácia prática e pela utilidade, social, afastados dos padrões que regulam a moralidade dos indivíduos.
“O ethos políticos e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder. Há ocasiões em que a república exige que o príncipe seja cruel. Outras, em que deve ser magnânimo e misericordioso. As circunstâncias podem exigir que ele será real e sincero. Tal virtude, é medida pelos efeitos benéficos de sua acção para a república”.[15]
Por ter inaugurado a teoria moderna da lógica do poder como independente da religião, da ética e da ordem natural, Maquiavel é visto como o pai da filosofia política moderna. Para Reale e Antiseri, “o pensamento de Maquiavel se resume na fórmula ‘política para a política’, para ilustrar a autonomia da investigação. Ele demonstra a divisão entre o ser (como as coisas são efectivamente) e o dever ser (como as coisas deveriam ser para se confrontar com os valores morais)”.[16]



5.      A ideia de soberania em Maquiavel
Ao desligar o poder político do fundamento não político (Deus, Natureza e Razão) e ao articula-lo à divisão social entre os grandes e o povo, Maquiavel abriu caminho para a discussão essencial para o pensamento político, moderno, qual seja, a ideia de soberania.[17] Para o príncipe Maquiavel começa a indicar que o soberano não e uma pessoa e sim o poder político independente dos poder religioso e do poder económico.
Na interpretação de Abbagnano, “o limite da actividade política reside na própria natureza dessa actividade. A tarefa política não tem necessidade de deduzir do exterior a sua própria moralidade nem a norma que a justifica ou lhe imponha limites. Ela justifica-se por si, pela exigência que lhe é intrínseca de reconduzir os homens”.[18]
Essa soberania é necessária na política porque a tarefa do político na medida em que implica escolha, risco e responsabilidade, pressupõe a liberdade do homem e a problematicidade da história, conclui Abbagnano.[19]

6.      O impacto do pensamento de Maquiavel
As obras de Maquiavel sobretudo O Príncipe (1513) e os Discursos sobre a primeira décadas de Tito Lívio, que contem a revelação daquela unidade entre o juízo político e o juízo histórico, que constitui a característica fundamental de Maquiavel e fazem dele o revolucionador da política moderna, foram criticadas em toda parte, atacada por católicos e protestantes, considerada ateia e satânica, porém tornaram-se uma referência obrigatória para o pensamento político moderno.
A ideia de que a finalidade da política é a tomada e conservação do poder e que este não provém de Deus, nem da razão muito menos da ordem natural feita de hierarquias fixas, exigiu que os governantes justificassem o poder.[20]
Nos dias em que correm, talvez seja pelo ambiente em que muitos manuais de filosofia são escritos, verifica-se uma dificuldade tremenda da aceitação de interpretação do pensamento político de Maquiavel. Ora vejamos, no manual de História da Filosofia, de Giovanni Reale e Dario Antiseri, no capítulo dedicado a Maquiavel encontramos exíguos extractos sobre o autor e os poucos quem encontramos satanizam aquele que é considerado o pai da filosofia política moderna, afirmam eles Maquiavel é um é pessimista e não um realista.[21] Enquanto Nicola Abbagnano embora reticente, faz essa ligação entre pensamento e exigência histórica, o que ele não aceita, é, que seja considerado o inaugurador do pensamento político moderno, mais sim podemos considerá-lo o “primeiro escritor político da idade média”.[22] Contrariamente a Georges Mounin e Marilena Chaui que fazem o esforço de trazer em toda a sua riqueza, com fidedignidade o pensamento original de Maquiavel, uma espécie de ressurreição de Maquiavel, fazem dele o moderno dos modernos ou o eternamente moderno, reivindicam o lugar deste homem na história real dos homens.

7.      Teoria política de Maquiavel
7.1 Teoria da origem da sociedade e dos estados, ou o contrato social
Nos seus Discours, Guiraudet apud Mounin, encontramos o seguinte extracto: “foi por acaso que se originou todas as espécies de governos de homens. Os primeiros habitante eram numerosos e viviam dispersos durante algum tempo, como os animais. Tendo começado a crescer o género humano sentiram a necessidade de se reunir, de se defender, para melhor alcançar esse fim, escolheu-se o mais forte, o mais corajoso, os outros deram-lhe a chefia e prometeram obedecer-lhe. Na altura da sua reunião em sociedade, começaram a conhecer o que era bom e honesto e a distingui-lo de como vicioso e mau. Viu-se um homem fazer mal ao seu bem-feitor. Em todos os corações sugiram de imediato dois sentimentos: o de ódio ao ingrato. O de amor pelo homem bom. Para prevenir tais males, os homens determinaram fazer leis e ordenar punições, para quem lhes desobedecesse. Foi essa a origem da justiça”.[23] Esse pensamento muito se aproxima ao da teoria de contrato social de Hobbes, que se fundamenta da tese de que as pessoas temem umas às outras (os homens são lobos de outros homens) e, por esta razão, devem submeter-se à supremacia absoluta do Estado que dever ser forte.
Por isso podemos dizer que embora em contextos diferentes confluem naquilo que Maquiavel chama de justiça Hobbes designa de Estado. Mas Maquiavel supera Hobbes, porque me parecer antever uma democracia, embora ainda um jogo não muito claro porque o príncipe não é claro, mas alguém maleável, para sustentar seu intento mesmo que não parece evidente.

7.2 Politica territorial
Ainda nos Discours (Guiraudet apud Georges Mounin) Maquiavel diz se pretende-se levar longe o domínio de uma cidade é preciso empregar todos os meios possíveis para a povoar ao extremo, pois uma cidade se tornará numerosa com esse cume de população. Obtêm-se esse resultado por dois meios. Suavidade e a força.[24] A suavidade quando, se abrem vias fáceis e seguras aos estrangeiros que querem vir habitar na cidade, de modo que fiquem contente em permanecer. A força quando destruímos todas as cidades vizinhas, e obrigamos a todos os habitantes vir habitar a nossa.[25]

7.3 Governo civil
‘Quando um cidadão se torna príncipe da sua pátria, não por crime, nem por qualquer violência, mas por graça ou favor dos seus concidadão, forma um governo civil. E para conseguir tal posição não é necessário mérito, nem uma felicidade extraordinária, mas apenas uma manha feliz. Ora chega-se a essa soberania quer pela boa vontade do povo, quer pelo favor dos grandes, pois todas as cidades estão divididas nestas duas facções, que nascem do facto de o povo temer ser reprimido e os grandes quererem oprimi-los’.[26]
E o único modo de fazer reinar a ordem num estado é introduzir um governo monárquico. Com efeito nos países onde a ocupação é mais forte que a lei, é necessário instituir uma força mais forte, isto é, um rei com mão de ferro e que esse exerça um poder absoluto que ponha fim a ambição de uma nobreza corrupta ou ambiciosa.[27]
E ainda para Maquiavel “todos os males que nascem nas repúblicas tem sua origem nas inimizades violentas, que naturalmente dividem a nobreza e o povo, porque uma quer comandar e outra não quer obedecer. Essa diversidade de humores e de interesses alimenta todas as perturbações que agitam esses estados”.[28]

7.4 Teoria do povo e sua ralação com o príncipe
Maquiavel citando Cícero nos Discours diz ‘ainda que o povo seja ignorante, são capazes de apurar a verdade e a ela se renderem quando lhes é apresentada por um homem que consideram digno de credito’ pois “vox populi, voz Dei”, por isso mesmo, ela é dotada de faculdade de antever os bons e os males quando ao seu modo de julgar raramente engana-se.[29]
E quando um cidadão se torna príncipe por favor do povo deve procurar sempre conservar a sua afeição o que é fácil, não pedindo ao povo nada mais do que não ser oprimido. Mas aquele que contra o povo se torna o príncipe, por favor dos grandes deve antes de mais, tenta ganhar-se a si mantendo a sua protecção[30].

7.5 A política do príncipe.
O príncipe, precisa da afeição do povo. E um dos actos mais importantes que o príncipe deve tratar no seu governo é contentar e satisfazer o seu povo. Por isso deve:
·         Honrar todos os que se distinguem nas artes;
·         Encorajar os súbitos a exercer tranquilamente os seus ofícios em várias áreas;
·         Dar recompensas para todos os que fazem o esforço de enriquecer a cidade;
·         Deve em certas épocas do ano ocupar o povo com, festas e espectáculos;
·         Assistir algumas vezes a reunião das tribos etc. e mostrar-se clemente e generoso, sem deixar de manter a majestade da sua dignidade;
·         Quando necessário o povos pode ser enganado, quando a promessa põe em perigo a sua manutenção no poder.[31]
Não obstante, a quem possa dizer que Maquiavel contrapôs-se, não! E talvez nunca. Diz ele ainda “um príncipe não tem portanto, necessidade de possuir todas as qualidade que indiquei, mas deve parecer tê-las, e se tiver servir-se dela é perigoso, é bom e útil fingir não telas. Assim deve parecer clemente, fiel, humano, religioso e íntegro, mas deve manter-se suficientemente senhor de si para que em caso de necessidade, possa e saiba fazer exactamente o contrário.
A um novo príncipe ele recomenda, não pode exercer todas as virtudes que fazem passar os homens por bons, porque encontrando-se na necessidade de conservar o estado deve muitas vezes agir contra a fé, a caridade, a humanidade e a religião. Não se afastar do bem se puder, mas também, entrar no mal quando for preciso. Um príncipe não deve ser fiel a sua palavra quando isso o prejudica.[32]
E ainda, o príncipe deve se afastar da ideia ‘dividir para reinar’ porque esta máxima enfraquece o príncipe. Por isso, deve manter sempre o alerta e manter o estado sempre forte, evitar que os súbditos sejam manipulados, se acontecer haverão de conspirar contra ele, coisa que todos os cidadãos fazem num estado, mas, é bom evitar que isso se transforme em guerra por isso é bom manter os súbditos contentes sob as suas ordens.[33]




Conclusão
O que nos resta dizer após esta riquíssima pesquisa do autor que demoliu, revolucionou e fez nascer todo um vasto leque de pensamento e pratica da política moderna, foi um realista isso já disseram varias pessoas, foi um maquiavélico, isso ele não sabia, mas hoje é comum ouvir-se por aqui ou por acolá, é uma lástima! Talvez porque não conheceram a fundo suas ideias. De que revolucionou, também todos e a maioria dos autores já o disseram excepto alguns de matriz metafísica e tradicional.
Penso que devíamos dizer, que foi um homem de linguagem acessível e concreto que rompeu com a metafísica da política tradicional na concepção do poder sua origem, legitimidade e fundamento. Não foi compreendido, talvez tenha fracassado na actividade política, isso também foi um evento normal. Mas de que foi original, isso não devemos negar e de que foi e é um conselheiro de muitos governantes isso acredito eu. Por isso, o seu pensamento sobreviveu e sobreviverá a pressão o tempo e do espaço, é hoje um livro de cabeceira de muitos lideres não só político, mas quiçá todas as esferas em que envolver súbditos e lideranças. Foi um génio poderoso. É uma lástima que Maquiavel tenha escrito um livro para a gente que se calhar nunca leu a sua obra e que nem mesmo sabe que ele existiu um dia, em Florença, mas nos hoje sabemos.
Quantos príncipes nos nossos dias agem secretamente nos bastidores, mantendo suas intenções e finalidades desconhecidas para os cidadãos? Quantas vezes nosso príncipes prometem pontes onde se calhar nem existem rio? Quantos príncipes hoje, usando das vantagens da mídia viajam em campanhas de mares de promessas, em concentrações chamadas assembleias que não são nem assembleia, apenas uma reunião de discussão de interesses pessoais. Enfim, Maquiavel demonstrou que a política é uma grande máscara, um submundo que se auto-governa e que tem vida própria.



Referencias Bibliográficas  

ABBAGNANO Nicola, História da Filosofia Vol. V, 3ª ed, Editora Presença, Lisboa, 1984.
__________________, História da Filosofia Vol. V, 4ª ed, Editora Presenca, Lisboa, 2000.
CHAUI Marilena, Convite à filosofia, 13ª Edição, Ed. Ática, São Paulo, 2005.
ENCICLOPÉDIA Electrónica Microsoft Encarta, Microsoft Corporation. 1993-2001,Todos os direitos reservados.
MAQUIAVEL Nicolau, O Príncipe: Comentado por Napoleão Bonaparte, 4ª Edição, Publicação Europa-América, Portugal, 2000.
MOUNIN Georges, Maquiavel 25, Ed. 70, Lisboa, 1984.
REALE Giovanni, ANTISERI Dario, História da filosofia: do Humanismo à Descartes, Vol.3, Ed. Paulus, São Paulo, 2004.


[1] Cfr. Georges Mounin, Maquiavel, p. 9
[2] Cfr. Ibdem.
[3] Renascimento, período da história europeia caracterizado por um renovado interesse pelo passado greco-romano clássico, especialmente pela sua arte. O Renascimento começou na Itália, no século XIV, e difundiu-se por toda a Europa, durante os séculos XV e XVI.
A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transformou-se em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil.
O Renascimento italiano foi, sobretudo, um fenómeno urbano, produto das cidades que floresceram no centro e no norte da Itália, como Florença, Ferrara, Milão e Veneza, resultado de um período de grande expansão económica e demográfica dos séculos XII e XIII.
Uma das mais significativas rupturas renascentistas com as tradições medievais verifica-se no campo da história. A visão renascentista da história possuía três partes: a Antiguidade, a Idade Média e a Idade de Ouro ou Renascimento, que estava começando.
A ideia renascentista do humanismo pressupunha uma outra ruptura cultural com a tradição medieval.

[4] Cfr.  Georges Mounin, Op. Cit. p. 11.
[5] Cfr. Enciclopédia electrónica Microsoft. Encarta1993-2001.
[6] Cfr. Georges Mounin, Op. Cit. pp. 9-17
[7] Maquiavel in: Enciclopédia Electrónica Microsoft Encarta, Microsoft Corporation. 1993-2001,Todos os direitos reservados.
[8] Marilena Chaui, Convite à filosofia, p. 367
[9]  Cfr. Marilena Chaui,  Op. Cit. pp. 368ss.
[10] Cfr. Ibdem.
[11] Cfr. Ibdem.
[12] Giovanni Reale, Dario Antiseri, História da Filosofia: do Humanismo à Descartes, Vol.3, p. 94.
[13] Ibdem.
[14] Cfr. Marilena Chaui,  Op. Cit.,  p. 370.
[15] Ibdem.
[16] Cfr. Giovanni Reale, Dario Antiseri, Op. Cit., p. 94.
[17] Soberania do latim, summa potesta, ou poder supremo, poder ou autoridade que uma possui pessoa ou um grupo de pessoas com direito a tomar decisões e a resolver conflitos no seio de uma hierarquia política. A capacidade de tomar essas decisões implica independência dos poderes externos e autoridade máxima sobre os grupos internos. O conceito de soberania surgiu quando os europeus dos séculos XVI e XVII começaram a procurar fundamentos laicos sobre os quais basear a autoridade dos novos Estados nacionais. Fonte: cfr. Marielena Chaui, p. 371, e Enciclopédia electrónica Microsoft Encarta. © 1993-2001 Microsoft Corporation. Todos os direitos reservados.
[18] Nicola Abaganano, 3aed 1984 p59
[19] Ibdem.
[20] Cfr. Marilena Chaui,  Op. Cit., p. 371.
[21] Giovanni Reale, Dario Antiseri, Op. Cit., p. 95.
[22] Nicola Abbagnano, História da Filosofia V. 4ª ed. p. 43.
[23] Georges Mounin, Op. Cit., p. 41. Extraiu da tradução de Toussait Guiraudet Ouvres de Machiavel.
[24] Cfr. Georges Mounin, Op. Cit., p. 58.
[25] Ibdem.
[26] O Príncipe apud Georges Mounin, Op. Cit., p. 63.
[27] Georges Mounin, Op. Cit., p. 63.
[28] Histoires, Guiraudet, apud. Georges Mounin, Op. Cit., p. 65.
[29] Idem., p. 66.
[30] O Príncipe apud Georges Mounin, Op. Cit., p. 67.
[31] Guiraudet Descours apud Georges Mounin, Op. Cit., p. 68.
[32] Ferrari Prince, apud Georges Mounin, Op. Cit., p. 86.
[33] Guiraudet Op. Cit., pp.87-88.