“Honra. Pátria.
Amor. David Becker estava
prestes a morrer por estes três
motivos.”
(Dan BROWN, Fortaleza
Digital, 2008:250)
Li nestes dia um livro interessante
de Barbara Cannelli, intitulado Un pensiero africano. Filosofi africani del
Novecento a confronto con l’Occidente 1934-1982[1],
com o prefacio de M. Marazziti, é um livro que indica e faz reviver. Alude sobre o nascimento do pensamento
africano, as questões sempre abertas acerca das origens, a identidade e o método
da filosofia. O livro tem o limite de indagar o pensamento filosófico da África
negra de língua francesa. Fica de fora a filosofia política e a etno-filosofia.
Historicamente segundo a autora o nascimento do pensamento africano na área francófona
que se desenvolve na 1ª Guerra mundial. Até aquela data o partido francês da exploração
colonial tinha encontrado um largo apoio trasversal da direita a esquerda. No
1910 o coronel Charles Margin pública La forza nera[2],
que apoia a
necessidade de recrutamento colonial porque os povos colonizados tem uma
atitude de obediência. A Grande Guerra teve uma larga utilização de soldados
africanos sobretudo utilizados nas tropas de assaltos lançados contra o arame farpado
e as metralhadoras inimigas, aptas as primeiras linhas. Os que negavam alistar-se
eram reprimidos com o sangue. Temos também dizer que muitos recusaram com espírito
patriótico, confiaram nas promessas recebidas de uma maior independência. No
fim da guerra a divida de sangue não vem reembolsada, mas um ponto positivo
resulta, que os povos indígenas conhecem a mãe-pátria e o acontecimento revela
muito cedo “uma heterogénese de fins tanto surpreendente quanto pouco
previsivel”
(p.39).
O negro toma consciência africana
e começa com um pretexto: ser reconhecido como ser humano, existe uma plena
humanidade negra que deve ser reconhecida. Temos que ter presente que a tradição
ocidental, também os seus expoentes mais iluminados, nega o Logos aos
africanos. No ensaio Sul
carattere nazionale, David Hume sustenta que “nenhuma produção do engenho é possivel entre Negros, nem artes, nem ciências”.
Mesmo Kant julgará que entre os brancos e os negros a diferença de cor reflecte
(fácil intuir em qual direcção) um grau diferente das faculdades mentais. Mas o
verdadeiro compêndio do juízo europeu sobre o continente africano, que atira
com um só tiro e irrevogavelmente à África o privilégio da História e da Razão,
fica uma pedra angular do pensamento ocidental as “Lezioni sulla filosofia
della storia hegelianas”.
Aqui Hegel argumenta assim: “Na imensa
energia do arbítrio sensível, que domina os negros, o momento moral não tem
algum poder certo. (...) África não é um continente histórico, não tem algum
movimento ou desenvolvimento para mostrar. Se alguma coisa, na sua parte
setentrional, aconteceu, isso pertence ao mundo asiatico e europeu. (...) O Egipto
será considerado em relação a trapaça do espírito humano de Oriente ao
Ocidente, não pertence ao espirito africano” (p.135). E em relação ao carácter
próprio da subjectividade africana ele continua “O Africano ainda não chegou a distinsão de si, como singulo, de sua
universalidade essencial, falta nele totalmente a ciência de um ser absoluto,
que seja outro e superior em relação ao eu (...) e quando si distingue da
natureza, ele se encontra somente no primeiro estádio, é dominado pelas
paixões, orgulho e pobreza: é um homem ainda em bruto. O negro representa o homem natural em sua
total barbarie e selvageria completa” (p.136).
Em relação
ao primeiro acto da razão, as primeiras respostas são a etnofilosofia e a
negritudine. A primeira não é um produto propriamente africano, mas tem o
mérito inegável de ter aberto o debate. O franciscano belgico Placide Tempels,
missionario em Congo (1933) denuncia a crueldade da colonização, estuda a cultura
dos Baluba-Shankadi e nos anos 40 publica uma serie de escritos sobre a
filosofia Bantu. Assim nasce a etnofilosofia, ou a reproposição filosófica do
sistema de valores da tradição oral. Escreve Lidia Procesi, é “um património de sabedoria tradicional onde
pode-se reconhecer e reconstruir uma estructura lógica, ontologica e metafísica
implicita. Por este motivo merece o apelativo de filosofia, segundo o
significado tipico de conhecimento dos objectos ultimos e primeiros do saber:
Deus, o cosmo, a alma. Funda a praxis como sistema de valores e então sabedoria
ética e técnica”. (p.328) Mas, além dos aspectos positivos, a
etnofilosofia, permanecendo olhar externo, corre o risco de desviar a
identidade africana utilizando categorias que não pertence a ela.
A
segunda resposta ao acto da razão é constituída pelo novo pensamento
autenticamente africano, que, paradoxalmente, nasce em França. “Uma nova consciência surge na Europa e
começa um caminho de verso ao continente africano. Um nascimento mestiço, como
é aquele de todas as grandes filosofias” (p.11). Em Paris, no 1934, dois
jovens que vinham das colonias franceses, Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor,
fundam a revista "L’Étudiant Noir", e começa o
acordar negro e
abrem o caminho a chamada negritude. Fruto de uma necessidade as vezes raivosa
de emancipação. O pensamento africano teve que rapidamente confrontar-se com o
problema de identidade negra, para depois afastar-se favorecendo uma
perspectiva mais aberta, multicultural, humanistica. Sartre, aliado sincero da
causa negra, não resistiu a tentação de dar uma interpretação dialéctica desta parábola:
uma identidade que se põe, em oposição a identidade branca que a nega, para
depois superar a contraposição em uma síntese mais universal, autentica e
pacificada (cfr. p. 17).
O que caracteriza o pensamento de
Senghor é a revindicação, contra a pretensa unicidade do Logos ocidental,
de um Logos negro:
“a sua razão não é
de tipo discursivo; ela é de tipo sintético. Não é
antagonista é simpatetica. É um outro modo de conhecimento. A razão negra não empobrece as coisas, não
as modela entre esquemas rigidos, eliminando os aspectos originais, vitais,
naturais; ela experimenta e contorna para colocar-se no coração vivente da
realidade, do real. A razão europeia é analitica com fim
de utilização, a razão negra è intuitiva com o fim de participação” (p.95). Na
base deste Logos
negro, a negritude apresenta-se como uma teoria unitária, uma concepção orgânica
de tipo ético e metafísico, no qual Senghor distingue um caracter subjectivo e
um objectivo.
O primeiro “representa o aspecto humanístico e
militante, a praxis de libertacao, o projecto de rivendicazione da cultura
negra”, pelo contrário “objectivamente a negritude è uma certa
visão do mundo e uma certa maneira concreta de viver este mundo”.
E, como dizem os alemães, «uma Weltanschauung, um Da-sein,
mais precisamente um Neger-sein» ( p.111). A negritude tem sido criticada de ser
uma teoria racial e efectivamente monstra tractos culturais de derivação biológica
quase hipostatizada e sem tempo, a-temporal e ainda Senghor escrever: “O
negro è o homem da natureza. O ambiente animal e vegetal, como se configura na
Africa até hoje, o clima quente e húmido lhe conferiram uma grande
sensibilidade. O negro tem os sentidos abertos a todos os contactos, até as
mínimas sensações. Ele sente e experimenta antes de ver (...). É devido a sua potência
emocional que ele toma conhecimento do objecto” (p. 112ss). Segundo Senghor, o Logos negro se encontra numa
singular consonância com as mais recentes descobertas da fisica occidental, portanto
com uma concepção da materia e da enérgia de tipo vitalístico. Com uma maior consciencia
critica, a segunda geração de filósofos tomou distância das primeiras
conquistas da negritude ou da etnofilosofia e, em particular, colocou luz os
riscos ligados ao retorno a presunta originalidade e originariedade das raízes
africanas. Tambem neste caso, de facto a tradição pode desenvolver a função que
fizeram os nacionalismos ou os localismos ocidentais, oferecendo-se como uma grande
variedade de motivações e instrumentos para o controle social e politico por
parte das novas classes dirigentes pos-colonial.
A tradição, escreve Paulin
Hountondji (um dos mais críticos da etnofilosofia), “ toma a forma de um nacionalismo cultural
retrogado e continua a empobrecer a cultura nacional, a reduzir o pluralismo
interno e a profundidade historica, com o fim de distrair a atenção das classes
exploradas dos conflitos económicos e políticos reais que as opoem as classes
dirigentes, baixo o falso pretexto de uma comum participação deles a “ cultura
nacional” (p. 176). Valentin Yves Mudimbe, ao contrário
reconhece na negritude o merito de ter reivindicado uma originalidade africana
mas faz uma acusasaçao de ter caido nas categorias e no lexico occidentais dos
quais queria tomar distancias.
Mais radical é a critica de Franz Fanon, filosófo e
psiquitra. Na Pele Negra e Mascaras Brancas,
o autor denuncia o perigo que uma rigida definiçao da identidade africana pode
mudar-se em uma nova mascara, alem dissso construída a contra-imagem e a nao-semelhante
daquela ocidental.
Contrario a toda consideração biológica:
“minha pele negra não
é depositária de específicos valores”,
segundo ele os teoricos da negritude acabam para “celebrar de maneira mitológica a dimensão
irracional da chamada cultura africana: a magia, o exotismo, o primitivismo erótico,
a enfatização da copia dualidade Homem-Terra” (
p.118). Do outro lado, Fanon descreve e denuncia a alienação do eu negro e o
conseguinte processo de branquificaçao, que inconscientemente o colonizado se submete
para assimilar-se e mendigar um reconhecimento. “Quem é então o Negro? Para Fanon o Negro è aquele
que quer ser branco” (p. 76) e “não existe uma identidade negra, fora do
dado histórico por causa do qual ela è uma identidade oprimida e objecto de consideração
racista” ( p.80). O filósofo chega a estas conclusões
de acordo com o amigo Sartre, para o qual, analogamente, “não é o carácter hebraico a causar o anti-semitismo,
mas, pelo contrário, é o anti-semitismo a criar o hebreu. O fenómeno primeiro é
então o anti-semitismo, estructura social regressiva e a concepção do mundo pré-lógica”
(p.80). Em toda a sua forma, também aquela colonial, o racismo leva aos mesmos trágicos
resultados, entre os quais a alienação e a perca do si. Contrastando o anti-semitismo
e toda forma de racismo, Fanon sai da vitimização localística negra e luta por
um projecto universal de libertação do homem. A sua doutrina é descrita “no sentido marxiano essencialmente como
praxis, como pratica libertária, desmistificante, que possui a capacidade e a
vontade de desdobrar o dado factual da opressão”
(p.116).
Cheick Anta Diop, egiptólogo,
trabalhou de maneira sistemática para confutar o juízo hegeliano sobre uma África privada
de história e razão. Os resultados desta pesquisa podem ser sintetizados em
duas teses: a origem da espécie humana em África e da cultura no Egipto, “nenhum pensamento, nenhuma ideologia, são
estranhas a África, terra do concebimento destes”. E
a conclusa è que “la
raison est nègre» (p.
133).
A
segunda parte do livro abre-se com um capítulo dedicado a “disputa sobre os universais”. Trata-se da crítica a pretensão de
conceber como “universais” valores, princípios e teorias que são somente ocidentais.
Segundo Fanon o “verdadeiro valor
universalmente valido” é o direito da causa mundial dos oprimidos (p. 179),
ao contrário para Césaire “há dois modos
de perder a si mesmo: através da segregação no particular, ou por diluição no
universal” (p.183). Vários autores recorrem aos instrumentos da crítica
marxiana da ideologia, na óptica de uma demitização dos sistemas de pensamento
que com a sua pretensa universalidade
tendem a assimilar e reduzir as diferenças.
Também quando verifica-se um reconhecimento ocidental da alteridade africana, frequentemente
limita-se na inserção de um mais vasto
esquema evolutivo: “categoria de gradualidade
ascensional, profunda herança de uma mentalidade positivista-evolucionista, se
delineou por muito tempo como a única modalidade de acesso à alteridade, mas desta
maneira foi suprimido” (p. 172). Mais em geral, Mudimbe chama a atenção
sobre os resultados da epistemologia contemporânea, sublinhando como cada ciência
– sobretudo se tem como objecto o homem – seja inseparável do contexto onde nasceu e se desenvolveu. Até o estruturalismo,
mesmo pela sua pretensa neutralidade
e presunta “carícia desocidentalizante”, aparece insidioso e suspeito, pois,
não pode eximir-se de transmitir: “as
categorias de um saber, aquele ocidental” ( p.167). O exemplo mais interessante
desta disputa sobre os universais ocidentais é a critica á psicologia, a psicanálise
e a imagem do homem que estas disciplinas veiculam.
Segundo
Fanon, a dominação europeia na África causou a colonização dos territórios e
dos homens, mas também da psique, causando uma caricatura do tipo humano africano que é a projecção dos tractos desviantes e criminais dos pré-juízos
raciais.
Por
exemplo: “o complexo de Édipo resulta
ausente na evolução pessoal do homem africano” (p.197). A psicologia, segundo
Mudimbe, é somente um dos campos onde se concretiza uma aproximação etnológica fictícia
sobre um objecto ao qual o subjecto permanece irremediavelmente estranho. “Os
Ocidentais, como os adultos em frente aos meninos, como os psiquiatras em
frente aos pacientes, impuseram aos não-ocidentais, segundo um modelo específico,
maneiras aberrantes de ser não-ocidentais; eles depois deram o nome de etno-X
ao estudo dos produtos deste X artificialmente criado” (p. 207). A aproximação
etnológica é “o pressuposto teórico segundo ele não emendáveil, isto è o
principio pelo qual, também fora das hierarquias valorativas da imputação
evolucionista, permanece o direito – para o pensamento de uma sociedade e de
uma cultura – de produzir um discurso que liberta a verdade de uma outra
sociedade e de uma outra cultura” ( p.205).
O último
Capitulo é dedicado a alguns “caminhos do devir si-mesmos”. Fanon, por exemplo,
toma em consideração a batalha pelo véu combatida a partir dos anos 30 na Algéria:
“ Esta mulher, que ve sem ser vista,
frustra o colonizador. Não há reciprocidade. Ela não se entrega, não se doa, não
se oferece (...) Tem testa ao ocupante sobre este elemento preciso é
infligir-lhe um revés espectacular, é conservar a coexistência as suas dimensões
do conflito e de guerra latente” (p.219ss). As palavras do filósofo revelam
dum lado os tractos do desejo do domínio masculino e colonial, mas do outro, em
contraluz, aqueles da inferiorização, da marginalização, do não-reconhecimento
o do desinteresse.
Ao
olhar do colonizador ele contrapõe aquilo do algerino, o qual, “em relação a mulher algerina, tem una atitude
clara. Não a vê” (ibidem). De
outro temor é a luta que carregaram sustentada pelos intelectuais africanos
para libertar (das próprias contradições) aquelas mesmas ideologias ocidentais
que lutam pela independência e a emancipação dos povos colonizados. Césaire por
exemplo afirma que precisa impor uma revolução copernicana, tão radicada na
Europa “o hábito a fazer para nos, a decidir
para nós, o hábito de pensar para nós, em breve o hábito a contestar o nosso
direito a iniciativa, que é em definitivo o direito a personalidade” (p.227). O colonizador que Césaire interpreta como uma
mistura de miserabilismo e paternalismo, o “irmanilismo” tipo da “gauche”, é
objecto ao mesmo tempo de simpatia e de condescendência: “é um irmão, mas um irmão mais pequeno, que precisa de tutela e deve ser
guiado” (p.226). “O que quero –
diz Césaire – é que o marxismo ou o
comunismo sejam ao serviço dos povos negros, e não os povos negros ao serviço
do marxismo e do comunismo: Que a doctrina e o movimento sejam feitos pelos
homens e não os homens pela doutrina e pelo movimento” (p.228).
Segundo
Eboussi-Boulaga ao contrário a pesquisa do si africano (Ser si mesmo, do si) é
gravada de uma origem conotada de violência, rapto, maus-tratas, escravidão, deportação,
colonialismo. Tudo isso constitui uma primeira negação, que nem produz uma
segunda não menos grave. A violência produziu um sistema institucionalizado de abuso
de uma ordem social e mental baseada sobre a humilhação e o escravisaçao. O
grave é que a negação a ser sujeito no sentido de ente autónomo não é somente
externa, mas é constantemente inflicta no profundo, interiorizada, em maneira
que o mesmo sujeito acredita nisso, como fosse na ordem natural das coisas ( cfr.
p.232). Com estas bases a origem do pensamento africano não pode ser a
maravilha, mas a condição de escravisação. Pondo em discussão o paradigma platónico
– aristotélico do nascimento da filosofia como espanto do que é bonito, bom,
verdadeiro, Eboussi-Boulaga sintonizado com alguma tendências da filosofia contemporânea
que, com Schopenhauer procuram encontrar na experiencia do negativo e do mal o
espanto inicial do pensamento. O filósofo africano, gravado pelo seu sentido de
inferioridade cultural, será fatalmente levado a procurar um resgate na óptica
do Aussi, para dizer reivindicar que “também” o homem negro tem direito de
palavra. O intelectual negro não luta somente para ser reconhecido na cultura ocidental,
mas indicando uma dupla negação cultural, encontrasse perdido mesmo no meio do
seu povo por ter assumido e assimilado categorias do pensamento europeu.
O último
capítulo se conclui com uma reflexão sobre as “dinâmicas do reconhecimento” que
toma como base a dialéctica servo-patrão da Fenomenologia de Espirito de Hegel.
O livro se propõe como uma útil introdução
histórica sobre algumas questões fundamentais da filosofia africana. Do novo
pensamento aparece sobretudo a pesquisa de identidade específica na problemática
relação com a ”pensante” filosofia ocidental. Algumas vezes parece que o
direito a africanidade mostra de partilhar os limites de outras revindicações
de uma diversidade filosófica. As quais, não propõem uma positiva originalidade
do pensamento, mas acentuam a própria dimensão opositiva a uma imagem, as vezes
caricatural, do logos
ocidental. Isso esta na natureza da filosofia. Autocrítica e contradição fazem
parte do seu ser e do seu por-se em discussão. (CONTINUA)
Barbara CANNELLI, Un pensiero africano. Filosofi
africani del Novecento a confronto con l’Occidente, 1934-1982, prefazione
di M. Marazziti, Leonardo International, Milano 2008