Introdução

Todos os
comentários que aqui fazemos são pessoais e se fundamentam no próprio autor em
suas duas obras que discute profundamente essa questão: Vigia e Punir e Microfísica do Poder.
Como análise filosófica, impus-me, a
fidelidade à expressão e ao conteúdo do pensamento do autor, espero não ferir a
lógica do filósofo e espero também, que este esforço seja bem aceite, embora
seja eu o primeiro a me sentir insatisfeito. Após feita a análise do texto
apresentamos as nossas críticas e tentamos por os autores em discussão.
Para a realização
deste trabalho, o método foi o de análise de conteúdo e tentamos embora sem
sucesso uma revisão bibliográfica, fomos ao encontro do pensamento do autor através
das obras originais não visitamos nenhum comentários dos manuais para
fundamentar a ideia, pela dificuldade e carência dos mesmos, nos parece que
muitos organizadores dos manuais temem este campo de investigação filosófica.
Temos como
objectivo fundamental aprofundar a pesquisa no módulo de Problemas específicos de Ética e Política Contemporânea, e
concretamente queremos entender funcionamento da sociedade seus mecanismos de
ordem, suas subtis estruturas de poder e disciplinamento.
Para alcançar os objectivos
preconizados vamos seguir o seguinte percurso primeiro apresentamos a definição
dos conceitos chaves, de seguida analisamos os assuntos chaves dos dois textos
indicando sempre as referências, e por fim a breve conclusão e as respectivas
referências bibliográficas dos textos estudados.
1.
Definição de conceitos
Para podermos
entender ao pensamento de Foucault urge que antes de mais nada nos atemos em
definir os conceitos chaves que serão abordados no trabalho, tentamos definir
como o autor entende e tentámos encontrar termos acessíveis do cotidiano.
1.1 Panótico:
foi um livro editado por Jeremy Bentham no final do século XVIII mas permaneceu
desconhecido e foi descoberto por Focault, nos seus estudos sobre as origens da
medicina clínica, particularmente sobre a arquitetura hospitalar na segunda
metade do séc. XVIII ao buscar entender como o olhar do médico havia se institucionalizado,
como uma invenção particular se impôs a toda uma sociedade.
Deixando de lado
essas raízes arqueológicas, o Panótico “é
uma tecnologia de poder apropriada para resolver os problema de vigilância (…)
que permite exercer muito facilmente o poder”,[1]
ele foi amplamente utilizado depois do final do século XVIII, e no seculo
XIX e XX com os regimes de caracter ditatorial com o Nazismo, Fascismo, Estalinismo e no nosso contexto no
nosso passado recente no Moçambique comunista. E hoje as tecnologias de comunicação
e informação reproduzem o mesmo esquema em seus vastos programas e tecnologia
de contacto entre as pessoas subtilmente somos todos vigiados, por quem? não
sabemos.
Uma definição clara
podemos encontrar em Vigiar e Punir “o Panótico
é uma maquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, e se é
totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser
visto”.[2]
Portanto o panótico
seria uma visão ou controle total, mas quem vê encontra-se só uma posição
estratégica que não permite que seja visto, o que lhe permite exercer seu poder
disciplinar sobre todo o resto.
1.2 Peste:
termo que Foucault usa em Vigia e Punir[3]
para designar desordem indisciplina, caos ausência de ordem lei:
“houve em torno da peste uma
ficção literária da festa: as leis suspensas, os interditos levantados, o
frenesi do tempo que passa, os corpos se misturando sem respeito, os indivíduos
que se desmascaram, que abandonam sua identidade estatuária e a figura sob a
qual eram reconhecidos, deixando aparecer uma verdade totalmente diversa. Mas
houve também um sonho político da peste que era exatamente o contrário: não a
festa colectiva, mas divisões estritas: não as leis transgredidas, mas a penetração
do regulamento até nos mais finos detalhes da existência e por meio de uma hierarquia
completa realiza o funcionamento capilar do poder; não as máscaras que se
colocam e se retiram mas a determinação de a cada um o seu ‘verdadeiro’ nome,
de seu ‘verdadeiro’ lugar, de seu ‘verdadeiro’ corpo e da verdadeira doença. A
peste como forma real, ao mesmo tempo, imaginária da desordem tem a disciplina
como correlato médico e político. Atrás dos dispositivos disciplinares se lê o
terror dos contágios, da peste das revoltas, dos crimes, da vagabundagem, das deserções,
das pessoas que aparecem e desaparecem, vivem e morrem na desordem”.[4]
A peste suscitou
esquemas disciplinares. Á peste é a utopia da cidade perfeitamente governada,
porque é a cidade atravessada inteira pela hierarquia, pela vigilância, pelo
olhar, pela documentação, a cidade imobilizada no funcionamento de um poder extensivo
que age de maneira diversa sobre todos os corpos individuais. Enfim, vale o
remate de Foucault, a imagem da peste vale para designar todas as confusões e
desordens sociais.
1.3 Disciplina: em
Vigiar e Punir entendemos que é o
conjunto das minúsculas invenções técnicas que permitiram fazer crescer a
extensão útil das multiplicidades[5]
fazendo diminuir os inconvenientes do poder que justamente para torná-los úteis,
deve-se rege-las.
“Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário
pelo qual a força do corpo e com mínimo ónus reduzida como força política, e
maximizada como força útil”,[6]
é um processo de submissão das forças e dos corpos pelos
regimes políticos, aparelhos ou instituições diversas. Se nos é permitido
podemos dizer que disciplina será o antónimo da peste, indisciplina, desordem
caos.
Portanto será nesse
sentido que gostaríamos que entendêssemos os termos acima definidos.
2.
Medidas que se tomavam quando se declaravam uma desordem[7]
na cidade no Séc. XVII
Após estes marcos
definitórios dos conceito chaves do autor em estudo passamos a analisar o
pensamento do mesmo. Vamos recorrer ora em Vigiar
e Punir (2008) ora em Microfísica do
Poder (1979) para iluminar as dúvidas. Começamos mesmo pelas medidas que
eram tomadas perante uma desordem para entender todo o esquema do funcionamento
panóptico:
a)
Policiamento
espacial restrito: proibição de sair sob pena de morte;
b)
Inspeção constante:
um olhar alerta constante em toda parte, e o inspetor chama a cada habitante
pelo seu nome e informa-se do estado de todos, um por um no que os habitantes
serão obrigados a dizer a verdade sob pena de morte;
c)
Sistema de registro
permanente: relatórios que se anotam os nomes a idade, o sexo sem exceção nem condição
e são entregues um exemplar ao chefe do quarteirão, uma segunda cópia a
secretaria da prefeitura e outra para o fiscal para controlar as chamadas;
d)
Purificação das
casas uma a uma e devolução aos donos.
Cada individuo é
constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e
os mortos- isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar. A
ordem responde a peste. Ela tem a função de desfazer todas as confusões: a da
doença e a do mal.
Temos que entender
esta primeira parte porque o antónimo de peste é a disciplina só a disciplina
ou a ordem é capaz de refazer a cidade pestilenta e caótica.
3.
Problemas éticos sociais do séc. XIX
Como dissemos a
cidade pestilenta é a cidade utópica da governação perfeita, mas que os habitantes
leprosos são excluídos, isto antes do séc. XIX. Mas daqui em diante, o habitante
simbólico que realmente são os mendigos, os vagabundos, os loucos, os violentos
que circulam em nossas sociedade. Então perante os leprosos funcionam dois mecanismos
a inclusão através da inspeção e a exclusão para restituir a ordem. Por isso, a
uma necessidade trabalhar com métodos de repartição analítica do poder.
Assim funcionou no
século XIX, o poder disciplinar a partir dos asilos psiquiátricos, a penitencia,
a casa de correção, o estabelecimento de educação vigiada, e por um lado o
hospitais, de um modo geral todas as instâncias de controle individual
funcional num modo duplo de marcação binária: divisão constante do normal e do anormal,
a que todo o indivíduo é submetido.
Portanto assim
funciona o mecanismo de vigilância através de um conjunto de técnicas e de instituições
que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os normais, faz funcionar
os dipositivos disciplinares.
Esses problemas
atravessaram todo o séc. XIX, e são recorrentes hoje em que vivemos o séc. XX
ora incluímos ora excluímos. Sempre nessa logica binário do normal e do
anormal, alias a concretização do panóptico esta bem visível nos sistemas
ditatoriais do séc. XX.
4.
O panótico de Bentham e seus efeitos
O panótico enquanto
mecanismo de exercício de poder e gestão de espaço produz uma visibilidade que
é uma armadilha, porque cada um em seu lugar é visto, mas não vê, objecto de informação,
nunca sujeito numa comunicação. E esta é uma garantia da ordem.
“Dai o efeito mais importante
do Panótico: induzir no detento um estado consciente e permanente de
visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a
vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua acção;
que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a actualidade do seu exercício;
que esse aparelho arqutectal seja uma máquina de criar e sustentar uma relação
de poder independente daquele que o exerce; enfim os detentos encontrem preso
numa situação de poder de que eles mesmo são os portadores”.[8]
O essencial que ele
se saiba vigiado por isso, que Bentham colocou como princípio de que o poder
devia ser visível e inverificável: visível, sem cessar o detento terá diante
dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado. Inverificável:
o detento nunca deve saber se esta sendo observado, mas deve ter certeza de que
sempre pode sê-lo. Então a parcial conclusão o panótico é uma máquina de dissociar
o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver;
na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto.
O segundo efeito do
dispositivo panóptico é que ela automatiza e desinvidualiza o poder, aqui pouco
importa quem exerce o poder: um individuo qualquer, pode fazer funcionar a
maquina na falta do director, os que o cercam etc… então o panóptico é uma
maquina que a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogéneos de
poder.
Terceiro, nasce uma
sujeição real mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não é necessário
recorrer a força o ou obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco a
calma, o operário ao trabalho, o aluno a aplicação o doente a observância das
receitas: é o fim das grades das correntes, fim das fechaduras pesadas: basta
que as separações sejam nítidas as aberturas bem distribuídas. Dai que cada um
se auto-vigia e se auto pune.
5.
Utilidades do Panóptico
Apesar de não
declarar que Bentham inspirou-se no Zoológico de Le Vaux contruida em
Versalhes, e a preocupação era a observação individualizante da caracterização
e da classificação da organização analítica da espécie. Mas o panóptico é um
zoológico real: o animal é substituído pelo homem, a distribuição individual
pelo agrupamento específico e o rei pela maquinaria de um poder furtivo. O panóptico
faz o trabalho do naturalista, permite estabelecer as diferenças, perceber as
aptidões, apreciar os caracteres, estabelecer classificações rigorosas etc.
Por outro lado, o panóptico
pode ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o
comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos. Experimentar remédios e
verificar seus efeitos. Tentar diversas punições sobe os prisioneiros, segundo
seus crimes e temperamentos e procurar as mais eficazes. Tentar experiências
pedagógicas.
O panóptico é um
local privilegiado para tornar possível a experiencia com homens, e para analisar
com toda certeza as transformações que se pode obter neles. O panóptico pode até
constituir-se em aparelho de controle sobre seu próprios mecanismos.
O panóticos
funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de
observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento
dos homens.[9]
Este mecanismo deve ser compreendido como um modelo generalizável de
funcionamento, uma maneira de definir as relações de poder com a vida cotidiana
dos homens, é o diagrama de um mecanismos de poder levado a sua forma ideal,
seu funcionamento, abstraindo-se de qualquer obstáculo resistência ou desgaste,
pode ser bem representado com um puro sistema arquitectal e óptico: é na
verdade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de
qualquer uso especifico.
Portanto, tem uma função
polivalente nas suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas também
para cuidado dos doentes, instruir os alunos, guardar os loucos fiscalizar os
operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos. Em cada uma das suas aplicações,
permite aperfeiçoar o exercício do poder. O esquema é um intensificador para
qualquer aparelho de poder: assegura sua economia (em material, pessoal e tempo); assegura sua eficácia por seu
carácter preventivo, seu funcionamento contino e seus mecanismos automáticos. é
uma maneira de obter poder.
Faz com que o exercício
do poder não se acrescente de fora, como uma limitação rígida ou como um peso, sobre as funções que investe, mas
que esteja nelas representada bastante subtilmente para aumentar-lhe a eficácia
aumentando ele mesmo seus próprios pontos de apoio.
Por causa disso “o panoptismo é capaz de reformar a moral,
preservar a saúde, revigorar a indústria, difundir a instrução, aliviar os
encargos públicos, estabelecer a economia”.[10]
O movimento que vai
de um projecto ao outro, de um esquema de disciplina da exceção ao de uma
vigilância generalizada, repousa sobre uma transformação histórica: a extensão progressiva
dispositivos de disciplina ao longo dos séc. XVII e XVIII, sua multiplicação através de
todo o corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a
sociedade disciplinar. Realizou-se uma generalização disciplinar, atestada pela
física benthaniana do poder no decorrer da era clássica.
6.
Vantagens sociais da tecnologia panóptica
Qualquer instituição
panóptica, mesmo que seja tão cuidadosamente fechada quanto uma penitenciária,
poderá sem dificuldade ser submetida a essas inspeções ou mesmo aleatória e
incessante: e isso não só por parte dos controladores designados, mas por parte
do público; qualquer membro da sociedade terá direito de vir constatar com seus
olhos como funcionam as escolas, os hospitais, as fabricas, as prisões.
Não há risco que o
crescimento do poder possa degenerar em tirania; o dispositivo disciplinarmente
controlado, pois será sem cessar acessível ‘ao grande comité do tribunal do
mundo’. Esse panóptico, sutilmente arranjado para que um vigia possa observar,
com uma olhadela, tantos indivíduos diferentes, permite também a qualquer pessoa
vigiar o menor vigia. A máquina de ver é uma espécie de câmara escura em que se
espionam os indivíduos; ela torna-se um edifício transparente onde o exercício
do poder é controlável pela sociedade inteira.
O panóptico tem um
papel de amplificação; se organiza o poder, não pelo próprio poder mas pela salvação
imediata de uma sociedade ameaçada: o que importa é tornar mais forte as forças
sociais: aumentar a produção, desenvolver a economia, espalhar a instrução,
elevar o nível da moral pública, fazer crescer e multiplicar.
Para reforçar esse
poder sem atrapalhar esse processo, a solução do panóptico é o aumento produtivo
do poder de forma continua nos alicerces da sociedade, até ao mais fino grau de
forma que funcione aquelas formas súbitas, violentas, descontínuas, que estão
ligados ao exercício da soberania. Porque o panóptico é o princípio geral de
uma nova anatomia política cujo objecto e fim não são a relação de soberania
mas as relações de disciplina. Portanto o poder é o ponto de chegada da disciplina
por isso mesmo o panóptico é o principio e uma anatomia social.
O que era aplicado
ao louco foi aplicado a toda uma sociedade: “realizou-se
uma generalização disciplinar, atestada pela física benthamiana do poder no
decorrer da era clássica (…) o movimento que vai de um projecto ao outro, de um esquema da disciplina de exceção ao
de uma vigilância generalizada, repousa sobre uma transformação histórica: a extensão
progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII,
sua multiplicação através de todo o corpo social, a formação do que se poderia
chamar grosso modo a sociedade disciplinar”.[11]
7.
A Sociedade disciplinada como ponto de chegada do
panóptico
Para Foucault a uma
sociedade disciplinada faz crescer as habilidade de cada um, coordenas essas habilidades,
acelera os movimentos, multiplica as potências de fogo, aumenta a capacidade de
resistência, continua a moralizar as condutas, modela os comportamentos e faz
os corpos entrar numa maquina, as forças numa economia.
“As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que
fabricam os indivíduos úteis”.[12] E estes saem da periferia e multiplicam as instituições
disciplinares ao implantar-se em sectores mais importantes das sociedades.
Ao se multiplicar
as instituições disciplinares, seus mecanismos se desistituicionalizam e
começam a circular em ‘estado livre’; as disciplinas maciças e compactas se
decompõem em processos flexíveis de controlo, que se pode transferir e adaptar.
Difunde-se também
os procedimentos disciplinares, não a partir de instituições fechadas, mas de
focos descontrole disseminados na sociedade. Grupos religiosos, associações de beneficência
que desempenham esse papel de disciplinamento da população.
Não só isso mas
também os mecanismos de disciplinas são estatizadas, pela presença da polícia,
esta como instituição foi organizada sob forma de um aparelho de Estado e foi
directamente ligada ao centro da soberania política. O poder policial deve-se
exercer sobre tudo e
sobre a massa dos acontecimentos,
das acções, dos comportamentos,
das opiniões, ‘tudo o que acontece’, o objecto da polícia são essas
‘coisas de todo o instante’ essas ‘coisas-à-toa’.
Com a polícia estamos no indefinido de um controle que procura idealmente
atingir o grão mais elementar, o fenómeno mais passageiro do corpo social é o
infinitamente pequeno do poder político. E a incessante observação deve
acumular-se numa série de relatórios e de registros, um imenso texto policial
tende a recobrir a sociedade graças a uma organização documentária complexa.
O soberano com uma polícia
disciplinada, acostuma o povo a ordem e a obediência. Porém a disciplina não
pode ser identificada com uma instituição nem com um aparelho, ela é um tipo de
poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos,
de técnicas de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos, ela é uma
física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia. E pode ficar ao encargo seja
das instituições especializadas, seja das instituições que dela se servem como
instrumento essencial para um fim determinado, seja pela instancias
preexistentes que nela encontram maneira de reforça ou reorganizar seus
mecanismos internos de poder, seja de aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio
de funcionamento interior, seja enfim de aparelhos estatais que tem por função
principal é fazer reinar a disciplina da escala da sociedade.[13]
8.
Uma possível leitura sociopolítica de Foucault
No pensamento de Foucault
esta claro que uma sociedade disciplinar que vai das disciplinas fechadas,
espécie de ‘quarentena social’ até o mecanismo indefinidamente razoável do panoptismo.
O panoptismo desqualificou todas outras formas de vigilância, ela assegura uma distribuição
infinitésima das relações de poder.
Com Bentham nascia
sociedade que hoje nós somos, através do seu projecto arquitetónico de um
simples projecto técnico construi-se m tipo de sociedade. De sociedade de espetáculo
de circo e pão na antiguidade, na idade média inverte-se passa-se a
proporcionar a um uma visão panorâmica através das técnicas de construção.
Nossa sociedade já
não é de espetáculo mas de vigilância, “não
estamos nem nas arquibancadas nem no palco, mas na máquina panóptica,
investidos por seus efeitos de poder que nós mesmo renovamos, pois somos suas
engrenagens”.[14]
A sociedade
disciplinar, no momento de suas plena eclosão, assume ainda o velho aspecto de espetáculo.
As manifestações espetaculares do poder apagaram-se um por um no exercício cotidiano
da vigilância. Com Bentham, Focault estamos sob vigilância e Deleuze nos tornam
consciente que das cinzas da sociedade espetáculo e vigilância emerge
rapidamente a sociedade controle, onde a disciplina funciona sobre os corpos e
produz comportamentos aparentes, para uma sociedade de hipocrisia social, o que
conta são nossos números, estaremos na sociedade numérica?
Essa sociedade se
instaurou com a eliminação dos espaços escuros (murros) que dificultava toda visibilidade
das coisas das verdades, os espaços escuros permitiam as arbitrariedade politicas,
os caprichos das monarquias, as superstições religiosas, os complôs dos tiranos
e dos padres, a ilusão da ignorância e epidemias, com as Luzes e Bentham trouxe
o instrumento social que nos permite essa leitura do reino da opinião invocado
pela luzes não pode se exercer o direito a opinião, onde as pessoas são vistas,
um tipo de olhar imediato, colectivo e anónimo. Um poder cuja instância principal
fosse a opinião não poderia tolerar regiões de escuridão.
Em Microfica do Poder (1978) Foucault afirma
que
“o sonho rousseano presentes em
tantos revolucionários é uma sociedade transparente, ao mesmo tempo visível e legível
em cada uma das suas partes; que não haja mais zonas obscuras, zonas reguladas
pelos privilégios do poder real, pelas prerrogativas de tal ou tal corpo ou
pela desordem: que cada um, do lugar que ocupa possa ver o conjunto da
sociedade; que os corações se comuniquem um com os outros, que os olhares não
encontrem obstáculos, que a opinião reine, a de cada um sobre cada um”.[15]
Acrescenta Foucault
que Bentham coloca o problema da visibilidade, mas pensando numa visibilidade
organizada inteiramente em torno de um olhar dominador e vigilante.
Com a revolução
francesa a nova justiça, a instância do julgamento é a opinião. O problema de
ver não é fazer com as pessoas fossem unidas, mas que não pudessem agir mal, de
tanto que se sentiram mergulhadas, imersas em campo de visibilidade total em
que a opinião dos outros, o olhar dos outros, o discurso dos outros os impediria
de fazer o mal.[16]
9.
Processos históricos da formação das sociedades
disciplinares
Vamos elencar como
os processos disciplinas se formaram ao longo da história na sociedade em
diversos sectores sociais e os diversos nomes que esta recebeu, fazendo com que
o mecanismo possa garantir o funcionamento do poder.
1.
Processo económicos: o panóptico torna o exercício do poder o menos custoso possível, faz com
que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e
estendidos tão longe quanto possível sem fracasso, nem lacuna; e por fim liga o
crescimento ‘económico’ do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos
quais se exerce. Portanto faz crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade
de todos elementos do sistema.
As disciplinas substituem
o velho princípio ‘retirada-violência’ que regia a economia do poder pelo princípio
‘suavidade-produção-lucro’. Enfim a disciplina tem que fazer funcionar as relações
de poder não acima, na própria trama da multiplicidade da maneira mais discreta
possível, articulado do melhor modo sobre as outras funções dessas
multiplicidades, e também o menos dispendiosamente possível. Em suma, substituir
um poder que se manifesta pelo brilho dos que o exercem, por um poder que
objectiva insidiosamente aqueles aos quais é aplicado; formar um saber a respeito
destes, mais que patentear os sinais faustosos da soberania.
2.
Processo jurídico-político: a modalidade panóptica do poder, ao nível elementar,
técnico, humildemente físico em que se situa, não esta na dependência imediata nem no prolongamento directo das grandes
estruturas jurídico-politica de uma sociedade; ele não é entretanto
absolutamente independente.
O panóptico constitui
o processo técnico, universalmente difundido da sociedade, ele também exerce-se
por contrato como fundamento ideal do direito e do poder político, para fazer
funcionar os mecanismos efectivos do poder ao encontro dos quadros formais de
que estes dispunham. As Luzes descobriram as liberdades, inventaram também as
disciplinas.
A disciplina cria
entre os indivíduos um laço privado, que é uma relação de limitação
inteiramente diferente da obrigação contratual; a aceitação de uma a disciplina
pode ser subscrita por meio de contrato; a maneira como ela é imposta, os
mecanismos que funcionam, a subordinação não reversível de uns em relação aos
outros.
3.
Processo científico: o século séc. XVIII inventou as técnicas da disciplina e o exame, um pouco
sem dúvida como a Idade Media inventou o inquérito Judiciário. Mas por vias
totalmente diversas. O processo do inquérito, velha técnica fiscal e administrativa,
se desenvolveu com a reorganização da Igreja e o crescimento dos Estados
principescos nos séc. XII e XIII.
Foi então que ele
penetrou com amplitude que se sabe da jurisprudência dos tribunais
eclesiástico. O inquérito como pesquisa autoritária de uma verdade constatada
se opunha assim ao antigo processo de juramento ou ainda da transação entre
particulares. O inquérito era o poder soberano que se arrogava o direito de
estabelecer a verdade através de um certo número de técnicas regulamentadas.
Apesar da sua
origem política o inquérito foi com
efeito a peça rudimentar e fundamental, para a constituição das ciências empíricas;
foi a matriz jurídico-política desse saber experimental.
10. O panóptico de Bentham: uma sociedade de desconfiança
e hipocrisia
Em Microfisica do poder Foucault analisando o projecto de Bentham, ele não vê ninguém em confiar o poder, e não pode confiar ninguém
na medida em que ninguém pode ou deve ser quilo que o rei era no antigo
sistema, isto é, fonte de poder, lei e justiça.
Já não se pode confiar
em ninguém se o poder é organizado como uma maquina que funciona de acordo com
uma engrenagem complexa, é que o lugar de cada um que é determinante não sua
natureza. No panóptico cada um de acordo com o seu lugar é vigiado por todos ou
por alguns outros, trata-se de um aparelho de desconfiança total e circulante,
pois não existe ponto absoluto a perfeição da vigilância é uma soma de
malevolência.[17]
O olhar constante
tem um efeito dissuasivo, “é preciso estar
incessantemente sob o olho de um inspetor, na verdade significa perder a
capacidade de fazer o mal e quase perder o pensamento de querelo: não poder e
não querer”. [18]
Existe aqui duas
coisas: o olhar e a interiorização. O poder tem custos económicos e políticos
elevados. Enquanto o olhar vai exigir pouca despesa, sem necessidade de armas,
violência física, coação material. Apenas um olhar. Um olhar que vigia e que
cada um sentido o pesar sobre si acabara por interiorizar a ponto de se
observar a si mesmo.
11. A crítica de
Foucault a Bentham
Para Foucault, o panóptico
de Bentham é uma ilusão de poder é a ilusão de quase todos os reformadores do
séc. XVIII onde as pessoas iriam tornar-se virtuosas pelo simples factos de
serem olhadas. A opinião era para eles como uma reactualização espontânea do
contrato. Eles desconheciam as condições reais da opinião, as Mídias, uma
materialidade que obedece aos mecanismos da encomia do poder em forma da
imprensa, edição, depois a do cinema e televisão. O jornalismo invenção
fundamental do século XIX que manifesta o carácter utópico de toda esta política
do olhar.
Bentham não contou
com resistência das pessoas, aos sistemas de vigilância. A revolta contra o
olhar, os sistemas de micro poder não se instauraram imediatamente, mas nos sectores onde
utilizaram as mulheres e crianças e de seguidas nos sectores masculinos nas indústrias
pesadas. O conjunto de resistência ao panóptico deve ser analisado em termos de
táctica e estratégia, vendo em cada ofensiva seu ponto de apoio a uma contra ofensiva.
O poder nem sempre anónimo nem sempre vencedor, é necessário demarcar as posições
de acção de cada um, as possibilidades de resistência e de contra-ataque de uns
e de outros.[19]
Conclusão
Depois
deste rápido contacto com Foucault só podemos concluir com a frase de que
afinal de conta vivemos numa grande prisão a céu aberto, numa caverna que temos
a ilusão de que somos livres e fazemos o que desejamos, afinal de contas somos
produtos de uma disciplina do olhar, micro e macro. E por conseguinte somos
perpetuadores do sistema somos uma engrenagem nesta máquina diabólica. Nesse
aspecto Foucault se aproxima a Marx e a Freud.
Afinal
vivemos numa prisão ao céu aberto, num zoológico político onde os mecanismos
funcionam subtilmente. É
doloroso tomar conta desta realidade de que, a nossa assinatura, nosso numero de bilhete de
identidade, nosso pin nas redes
sociais, contas bancarias, e-mails, nosso código da escola, do hospital, do
registro notariado, nosso número telefónico etc… são todos mecanismos que nos
criam a ilusão de que tudo esta sob nosso controle ou de que ninguém nos vê, ou
que tudo ocorre sobre o maior segredo… mas tudo não passa de uma pura ilusão. A
transparência panótica se instalou… nosso comportamento nada mais é senão
mecânica social, somos objectos seres adestrado neste grande zoológico.
As Luzes revolução
francesa descobriram as liberdades, mas também inventaram as disciplinas que fazem
a sociedade funcionar na lógica binaria. As luzes poderiam tornar a sociedade
transparente e tornar os órgão da sociedade civil mais fortes, para sob luz
poder opinar sobre tudo mas o processo foi inverso. O panóptico é a nova peste
que se readapta e se integra nesta maquina social.
Bibliografia
FOUCAULT, Michel., Vigiar e Punir: Nascimento da prisão, (tradução de Raquel Ramalhete),
35ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
__________________,
Microfísica do Poder, (Organização, introdução e Revisão Técnica de
Roberto Machado) 26ª ed, Rio de Janeiro: Graal, 2008.
Referencias Bibliográficas
[3] Idem., p.
164.
[5] Multiplicidade: quer dizer sociedade, conjunto de pessoas, exemplo uma
oficina, uma nação, um exército uma escola, em suma grupos humano. Cfr., Michel Foucault, Vigiar e Punir: Nascimento
da Prisão, p. 181.
[7] Foucault
usa o termo peste, na nossa interpretação usamos desordem, caos, ou mesmo
indisciplina. Cfr. pp. 162-167.
[9] Cfr. Michel
Foucault, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão, p. 169.
[10] Michel
Foucault, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão, p. 171 Cfr. Também
em Microfísica do Poder, pp.
277-293.
[13] Cfr. Michel
Foucault, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão, pp. 177-178.
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